sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Declaração de princípios e intenções do Fórum do Anarquismo Organizado (FAO), aprovada no Encontro Nacional de 2010, ocorido em Porto Alegre.


O Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) é um espaço de debate e articulação entre organizações, grupos e indivíduos anarquistas que trabalham ou têm a intenção de trabalhar utilizando como base os princípios e a estratégia do anarquismo especifista.
O objetivo maior do FAO é criar as condições para a construção de uma organização anarquista no Brasil. Tarefa que sabemos não ser de curto prazo, mas que precisa ser iniciada desde já.
No Encontro Nacional de 2010, realizado em Porto Alegre, os grupos e organizações presentes entenderam que era o momento de aprofundar a organicidade e prosseguir em relação aos objetivos previamente estabelecidos.
Por isso, após intensas discussões, deliberamos que deveríamos dar um salto qualitativo e ir além dos dois eixos propostos anteriormente: a organização e a inserção social. Entendendo que eles já estão incorporados em nossos grupos e organizações e que a questão da organização e da inserção social não são mais tão polêmicas nos meios anarquistas – e a atuação dos grupos e organizações e do próprio FAO contribuíram significativamente para isso –, decidimos dar mais um passo para a construção de uma organização de âmbito nacional, que sempre foi um de nossos objetivos.
O passo seguinte é, para nós, aprofundar a organicidade, e foi assim que decidimos adotar o especifismo, como forma de organização anarquista para os grupos e organizações do FAO, estabelecendo princípios políticos e ideológicos que definem, em nossa concepção, tanto o anarquismo, como essa opção organizativa. Com esse objetivo, o Encontro Nacional reformulou a definição do FAO (ainda que ele continue sendo um fórum), estabeleceu seus princípios, assim como a estratégia a ser defendida, e reviu seus compromissos. Abaixo seguem as resoluções do Encontro em torno desses temas.

DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS E INTENÇÕES

FÓRUM DO ANARQUISMO ORGANIZADO



Um processo em construção



O Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) existe desde 2002 e, até 2010, foi um espaço de articulação entre indivíduos, grupos e organizações anarquistas, que concordavam com dois eixos fundamentais: a organização e a inserção social. Foram esses dois eixos nos deram fundamentos teóricos e práticos nesses oito anos; lutar para organizar e organizar para lutar foram as consignas utilizadas para agregar a militância e nortear nossos grupos e organizações.


Lutar para Organizar!

“Nós já o repetimos: sem organização, livre ou imposta,

não pode existir sociedade; sem organização consciente

e desejada, não pode haver nem liberdade, nem garantia de que

os interesses daqueles que vivem em sociedade sejam respeitados.

E quem não se organiza, quem não procura a cooperação dos outros

e não oferece a sua, em condições de reciprocidade

e de solidariedade, põe-se necessariamente em estado

de inferioridade e permanece uma engrenagem inconsciente

no mecanismo social que outros acionam a seu modo, e em sua vantagem.”

Errico Malatesta





A questão da organização é muito antiga no meio anarquista. Há mais de cem anos Malatesta já abordava o tema. Por mais que nos pareça uma questão simples, ainda há muita confusão a respeito e tem muita gente que sinceramente pensa que anarquismo é contra qualquer forma de organização, que organização seria burocracia, autoritarismo, etc. Isso é compreensível, afinal de contas, os modelos de organização concretos que as pessoas conheceram (como os partidos autoritários, centralizados e eleitoreiros) não animam ninguém a pensar no tema. Mas é necessário romper com isso, perceber que esta foi apenas “uma” forma de organização e não “a” forma.
O anarquismo sempre teve outras formas de organização, horizontais, participativas e federativas; basta olharmos Bakunin, Malatesta, Makhno, a Federação Anarquista Ibérica, a Federação Anarquista Uruguaia, os anarquistas sindicalistas, etc. Já é hora da necessidade de nos organizarmos superar o medo de nos burocratizarmos. Discutir organização hoje em dia não é somente uma questão de retomar a história do anarquismo, mas, sobretudo uma necessidade real. Diante de um sistema articulado, bem informado e com capacidade operativa, não podemos ficar atomizados.
“Permanecer isolado, agindo ou querendo agir cada um por sua conta, sem se entender com os outros, sem preparar-se, sem enfeixar as fracas forças dos isolados, significa condenar-se à fraqueza, desperdiçar sua energia em pequenos atos ineficazes, perder rapidamente a fé no objetivo e cair na completa inanição.” (Malatesta, 1897)
Além disso, a organização multiplica nossas forças, nos permite a prevenção e defesa diante da repressão – por sinal, cada vez mais forte – e torna real a solidariedade tantas vezes apenas escrita e falada. Sabemos que existem vários/as anarquistas contrários à idéia de organização, em sua maioria anarquistas individualistas. Não são mais ou menos anarquistas do que nós por isso, apenas anarquistas de outro tipo, de outra concepção. Que eles sigam seu caminho. Nós seguiremos o nosso com todo direito de fazê-lo. Porque pensamos que para enfrentar este sistema capitalista é preciso estar organizados.

Organizar para lutar! Inserção e militância social


“(...) favorecer as organizações populares de todo tipo

é a conseqüência lógica de nossas idéias fundamentais

e, assim, deveria fazer parte integrante de nosso programa.”

Errico Malatesta


O anarquismo é composto por uma diversidade de correntes, isso é uma verdade. Mas também é verdade que nem todas elas se dispõem a trabalhar junto à nossa classe, ao nosso povo. Historicamente, tivemos momentos de presença anarquista muito forte na Ucrânia com a makhnovitschina, na Revolução Espanhola, na Revolução Mexicana, com o sindicalismo revolucionário por toda a América Latina, isso para não falar de inúmeras outras experiências. Em todos estes casos, que são referência – ao menos teórica – para todos os anarquistas, existiram anarquistas organizados, com postura classista e com atuação social decidida. Pode-se afirmar que em todos os casos onde o anarquismo foi expressivo havia inserção e militância social.
Vivemos uma época em que a miséria se aprofunda cada vez mais, o abismo entre as classes é maior hoje do que há cem anos atrás. 85% da população mundial é pobre ou miserável. Somente no Brasil existem 40 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da miséria. As manifestações desta miséria são brutais e estão aí para quem quiser ver.
Não perdemos a capacidade de nos indignar, de nos revoltar diante destas agressões permanentes, “não ficaremos na nossa” ou “cada um na sua”, até porque sofremos diretamente com tudo isso. Pensamos que o anarquismo tem algo a dizer sobre esta realidade. Pensamos que o anarquismo tem propostas e que ele vive nesta realidade e não fechado em ambientes seguros e distantes do mundo concreto.
Os anarquistas têm exercido diversas formas de atuação. Muitos mantêm relações entre si, publicam boletins, promovem encontros libertários, colocam páginas na internet, editam livros, criam canais de informação alternativos, etc. Tudo isso é importante e necessário. Mas será que temos dado a devida atenção a um tipo de militância que é a fundamental: a atuação social junto aos movimentos populares, nos bairros, escolas, universidades, espaços de trabalho, etc? Felizmente existem anarquistas que já fazem isso de várias formas, mas sinceramente pensamos que é pouco, e não falamos isso sobre os outros anarquistas, nos incluímos entre aqueles que precisam melhorar e aprofundar a inserção e militância social. Pensamos que todas as atividades de contatos, publicações, encontros, livros se enriqueceriam muito se estivessem articuladas com uma atuação social por parte dos anarquistas. Há diversos grupos e organizações anarquistas que têm buscado se inserir socialmente há vários anos. Existem diversas experiências de atuação social acumuladas nos últimos anos, do movimento sem-teto ao movimento estudantil, dos bairros de periferia ao trabalho sindical, nas lutas contra o neoliberalismo, anarquistas têm estado presentes e isso nos permite discutir melhor o tema.
Por isso tudo pensamos que é fundamental discutir como os anarquistas podem atuar socialmente, que relações se estabelecem entre os anarquistas e os movimentos sociais, que tipos de atuação seriam mais ou menos interessantes, etc. Sobretudo pensamos que os anarquistas não farão a revolução sozinhos, e que se não tivermos uma militância nas lutas de nossa classe, não teremos chance alguma.

O Encontro Nacional de 2010 e o salto qualitativo

No Encontro Nacional de 2010, realizado em Porto Alegre, os grupos e organizações presentes entenderam que era o momento de aprofundar a organicidade e prosseguir em relação aos objetivos previamente estabelecidos.
Por isso, após intensas discussões, deliberamos que deveríamos dar um salto qualitativo e ir além dos dois eixos propostos anteriormente: a organização e a inserção social. Entendendo que eles já estão incorporados em nossos grupos e organizações e que a questão da organização e da inserção social não são mais tão polêmicas nos meios anarquistas – e a atuação dos grupos e organizações e do próprio FAO contribuíram significativamente para isso –, decidimos dar mais um passo para a construção de uma organização de âmbito nacional, que sempre foi um de nossos objetivos.
O passo seguinte é, para nós, aprofundar a organicidade, e foi assim que decidimos adotar o especifismo, como forma de organização anarquista para os grupos e organizações do FAO, estabelecendo princípios políticos e ideológicos que definem, em nossa concepção, tanto o anarquismo, como essa opção organizativa. Com esse objetivo, o Encontro Nacional reformulou a definição do FAO (ainda que ele continue sendo um fórum), estabeleceu seus princípios, assim como a estratégia a ser defendida, e reviu seus compromissos. Abaixo seguem as resoluções do Encontro em torno desses temas.

O que é o FAO?

O Fórum do Anarquismo Organizado (FAO) é um espaço de debate e articulação entre organizações, grupos e indivíduos anarquistas que trabalham ou têm a intenção de trabalhar utilizando como base os princípios e a estratégia do anarquismo especifista.
O objetivo maior do FAO é criar as condições para a construção de uma organização anarquista no Brasil. Tarefa que sabemos não ser de curto prazo, mas que precisa ser iniciada desde já.

Nossa concepção organizativa do anarquismo

Todos os grupos e organizações do FAO, assim como aqueles interessados em ser membros, devem concordar, defender e aplicar esta concepção de anarquismo, que consideramos o mínimo necessário para o início dos trabalhos conjuntos. O anarquismo defendido pelo FAO é compreendido a partir dos princípios políticos e ideológicos e pela sua estratégia geral colocados a seguir.


Princípios políticos e ideológicos

A compreensão, a defesa e/ou a aplicação dos seguintes pontos:
a) Do anarquismo como ideologia e, assim, como um sistema de idéias, motivações e aspirações que possuem necessariamente uma conexão com a ação no sentido de transformação social, a prática política.
b) De um anarquismo em permanente contato com a luta de classes dos movimentos populares de nosso tempo e funcionando como ferramenta de luta e não como pura filosofia ou em pequenos grupos isolados e sectários.
c) De um conceito de classe que inclui todas as parcelas de explorados, dominados e oprimidos da nossa sociedade.
d) Da necessidade do anarquismo retomar seu protagonismo social e de buscar os melhores espaços de trabalho.
e) Da revolução social e do socialismo libertário como objetivos finalistas de longo prazo.
f) Da organização como algo imprescindível e contrária ao individualismo e ao espontaneísmo.
g) Da organização específica anarquista como fator imprescindível para a atuação nas mais diversas manifestações da luta de classes. Ou seja, a separação entre os níveis político (da organização específica anarquista) e social (dos movimentos sociais, sindicatos, etc.).

h) Da organização anarquista como uma organização de minoria ativa, diferindo-se esta da vanguarda autoritária por não se considerar superior às organizações do nível social. O nível político é complementar ao nível social e vice-versa.
i) De que a principal atividade da organização anarquista é o trabalho/inserção social em meio às manifestações de luta do povo.
j) De que a ética é um pilar fundamental da organização anarquista e que ela norteia toda a sua prática.
k) Da necessidade de propaganda e de ela ter de ser realizada nos terrenos férteis.
l) Da lógica dos círculos concêntricos de funcionamento, dando corpo a uma forma de organização em que o compromisso está diretamente associado com o poder de deliberação. Da mesma maneira, uma organização que proporcione uma interação eficiente com os movimentos populares.
m) De que a organização deve possuir critérios claros de entrada e posições bem determinadas para todos que queiram ajudar (níveis de apoio /colaborador).
n) Da autogestão e do federalismo para a tomada de decisões e articulações necessárias, utilizando a democracia direta.
o) A busca permanente do consenso, mas, não sendo possível, a adoção da votação como método decisório.
p) Do trabalho com unidade teórica, ideológica e programática (estratégica / de ação). A organização constrói coletivamente uma linha teórica e ideológica e da mesma forma, determina e segue com rigor os caminhos definidos, todos remando o barco no mesmo sentido, rumo aos objetivos estabelecidos.
q) Do compromisso militante e da responsabilidade coletiva. Uma organização com membros responsáveis, que não é complacente com a falta de compromisso e a irresponsabilidade. Da mesma forma, a defesa de um modelo em que os militantes sejam responsáveis pela organização, assim como a organização seja responsável pelos militantes.
r) Os militantes que compõem a organização têm, necessariamente, de estar inseridos em um trabalho social, bem como se ocupar de atividades internas da organização (secretarias, etc.)


Estratégia geral

A estratégia geral do anarquismo que defendemos baseia-se nos movimentos populares, em sua organização, acúmulo de força, e na aplicação de formas de luta avançada, visando chegar à revolução e ao socialismo libertário. Processo este que se dá conjuntamente com a organização específica anarquista que, funcionando como fermento/motor, atua conjuntamente com os movimentos populares e proporciona as condições de transformação. Estes dois níveis (dos movimentos populares e da organização anarquista) podem ainda ser complementados por um terceiro, o da tendência, que agrega um setor afim dos movimentos populares.
Essa estratégia, portanto, tem por objetivo criar e participar de movimentos populares defendendo determinadas concepções metodológicas e programáticas em seu seio, de forma que possam apontar para um objetivo de tipo finalista, que se consolida na construção da nova sociedade.

Compromissos do FAO


1. Estimular e realizar o debate sobre o anarquismo especifista no Brasil, apontando para necessidade de construir uma organização anarquista de âmbito nacional.
2. Apoiar a formação de grupos anarquistas organizados, apontando para sua organicidade.
3. Trabalhar pela aproximação, articulação prática e unificação destes grupos e organizações no âmbito estadual ou regional num primeiro momento.
4. Trabalhar, na medida das possibilidades reais, com os diferentes níveis da luta revolucionária anarquista: trabalho de propaganda, trabalho teórico e, o mais importante deles, o trabalho social, nas frentes e áreas escolhidas.

5. Lutar pela construção de uma organização anarquista brasileira dotada de projeto político comum, com peso sócio-político e presença nacional mais ampla possível.
6. Estabelecer relações fraternas e solidárias com organizações anarquistas internacionais, sobretudo as latino-americanas, cuja realidade nos é mais próxima.

Construindo um Grupo Anarquista Organizado (GAO)

No Brasil todo, existem centenas e talvez milhares de pessoas que se identificam e são simpáticas ao anarquismo. Uma força potencial que muitas vezes não é efetiva devido à dispersão em que os anarquistas se encontram. Não fundaremos uma organização anarquista num passe de mágica, antes disso é preciso que existam grupos anarquistas organizados (GAO) e coordenados entre si. O grupo anarquista organizado é a semente da organização anarquista.
O FAO se dispõe a apoiar os indivíduos anarquistas que sentem o sangue ferver diante das injustiças e que estão cansados de nada ou pouco poder fazer ou permanecerem isolados. Propomos um caminho para iniciar um grupo anarquista organizado (GAO):
Número de pessoas. Identifique pessoas que você conhece, que podem ser afins ao projeto. Chame uma reunião para debater a construção de um grupo, apoiada na leitura do material. Quanto mais gente melhor, mas não é preciso esperar para se formar um grupo. Com três pessoas é possível começá-lo, sempre trabalhando para mais gente ingressar.
Identidade do GAO. Com a proposta prosperando, o GAO já pode ter nome, bandeira e simbologia, para que seja reconhecido por outras pessoas.
Divisão de tarefas básicas. Os trabalhos internos regulares podem ser divididos entre os militantes. Isso evita que alguns fiquem sobrecarregados e outros com poucas tarefas, tornando a participação mais horizontal. Sugerimos algumas funções para um grupo a partir de cinco pessoas (grupos menores ou maiores se adaptam a sua realidade).

a) companheiro de organização: encarregado de relatar os acordos e decisões das reuniões, repassá-los aos demais, montar um calendário, convocar as reuniões, organizar os materiais internos do grupo;

b) companheiro de propaganda: encarregado de pensar e propor políticas de comunicação e materiais de propaganda do grupo. Ex: boletim, site, panfletos;

c) companheiro de finanças: faz a tesouraria do grupo, arrecada as contribuições periódicas dos militantes, pensa formas de arrecadar grana e estrutura para o grupo;

d) companheiro de relações: cuida das cartas, caixa postal, e-mails, conversas com outros grupos anarquistas, de esquerda e/ou movimentos populares;

e) companheiro de formação política: encarregado do debate de formação interno do grupo, levanta temas, pesquisa e separa materiais, procura cursos, ajuda os demais em sua formação política, etc;

Esta divisão não é rígida. O companheiro de propaganda coordena o boletim, por exemplo, mas nada impede que os demais dêem idéias, escrevam, ajudem, etc. O mesmo vale para as demais funções.
Reunião. É fundamental que sejam regulares, pois é a única forma do grupo debater e planejar suas ações coletivamente. Pode ser semanal ou quinzenal, de preferência em local fixo, onde o grupo esteja tranqüilo e sem interferências de fora.
Comunicação do grupo. Abrir uma caixa postal para correspondência, um e-mail para internet e publicar um boletim, mesmo que seja uma modesta folha frente e verso xerocada, é um ótimo começo e permite que o grupo seja conhecido pelas pessoas. Outro material importante é escrever uma declaração de princípios do grupo.
Método decisório. É busca do consenso, com todos participando de forma igualitária do debate. Quando não se chegar ao consenso e a questão exigir decisão, vota-se o ponto e o grupo todo acata o que foi decidido. A posição minoritária e sua argumentação deverão constar em ata para avaliação posterior.
Tarefas básicas de cada militante. Uma função interna (organização, finanças, propaganda, relações e formação política); uma militância externa, social em alguma frente (falaremos disso mais adiante); participar das reuniões e contribuir com o grupo.

Avançando de Grupo para Organização

Este salto de qualidade pode se dar de duas maneiras:
I) Com o crescimento do GAO
Nos estados e regiões onde não existem outros grupos anarquistas ou então quando os demais grupos anarquistas forem avessos à proposta de organização e atuação social, a única forma de se constituir uma organização é através do crescimento do GAO, cujo objetivo é sempre avançar.

Alguns elementos servem para averiguar a maturidade: crescimento numérico (mais ou menos 20 militantes regulares), regularidade, afinidade e confiança desenvolvida na militância, expansão das frentes de inserção social, melhoria da formação política, etc.
Com isso tudo o GAO pode dar um salto qualitativo, subdividindo-se em núcleos, criando um conselho que reúna delegados destes núcleos e ampliando sua esfera de ação. É fundamental que a passagem de GAO para organização reflita um avanço real e não apenas os desejos da militância. Ser um grupo de fato, apenas com nome ou sigla de organização ou federação é propaganda enganosa, um voluntarismo sem base real que facilmente cai no ridículo. A transição de grupo para organização anarquista é um processo, entretanto, os grupos se definem autonomamente. A transição implica uma diferença qualitativa no processo de construção, mas não hierárquica.

II) Pela aproximação, articulação prática e unificação entre diferentes grupos anarquistas organizados
Nos estados e regiões onde existem dois ou mais grupos anarquistas, a proposta é que se trave contato com os demais indivíduos e grupos anarquistas conversando sobre a proposta do FAO. Falamos aqui de regiões próximas, que não necessariamente precisam ser no mesmo estado, apenas próximas. Ex: Goiás e Distrito Federal, grupos situados nas fronteiras entre 2 estados, etc.

Estes contatos e conversas podem avançar mais ou menos. Alguns podem rejeitar categoricamente nosso projeto, outros mostrarem interesse e ao mesmo tempo dúvidas e críticas parciais. Com estes últimos deve-se avançar no diálogo e se possível criar um FAO estadual ou regional que reúna estes grupos, tire tarefas práticas conjuntas, debata o projeto e trabalhe pela unificação.

Para se inserir e militar socialmente

Todos os militantes do GAO devem ter sua militância junto aos movimentos sociais. As tarefas internas já mencionadas são importantes, mas não bastam e não podem servir de desculpa para o militante “fugir” da militância social. Queremos com isso evitar que alguns fiquem apenas com questões internas ou mais “agradáveis” e outros com a militância social, o que pode dar origem a “burocratas informais”.
É importante que o grupo avalie e concentre suas forças para que o trabalho social dê resultados e se evite assumir mais tarefas de inserção do que aquelas que pode sustentar. Isso torna necessária a escolha de algum(ns) segmento(s) prioritários para a inserção social. Quando dizemos prioritários, não se trata de imaginar este ou aquele segmento é por excelência destinado a realizar a revolução social, mas sim concentrar forças em algum trabalho que avaliamos ter mais potencial de transformação.

No entanto, com crescimento e amadurecimento devemos buscar incidir nos mais amplos segmentos. A intenção é que o GAO discuta o tipo de trabalho a ser realizado, verificando o que é mais viável (no bairro, numa escola, universidade, fábrica, ocupação, etc.) em função da realidade de cada um. É sempre recomendável iniciar um trabalho de inserção em bases onde os militantes estejam naturalmente dentro, ou seja mais fácil de se inserirem. Também levar em conta a necessidade deste trabalho ser contínuo e num local geográfico fixo. É importante que esteja claro desde o primeiro momento, qual frente de atuação é mais importante e mais se adapta as características das pessoas que compõe o grupo.
Alguns exemplos de frentes e áreas onde atuar As frentes são espaços de atuação onde a nossa militância se realiza. Por exemplo: movimento estudantil, movimento sindical ou de trabalhadores, movimentos sem-teto, rádios comunitárias, bairros de periferia em associações, comitês de luta, etc. Na frente comunitária podemos trabalhar com questões como moradia, saúde, alimentação, água, luz, saneamento básico, transporte, ecologia social, comunicação, cultura, educação, direitos humanos, racismo, gênero, etc. Tudo dependerá da demanda específica de cada local e do nosso projeto político.
Neste texto, nos limitamos a discutir, de forma geral, a inserção e militância social, pois seria impossível descrever, mesmo em linhas gerais, uma proposta de atuação para a cada uma delas. Há muito material produzido pelos membros do FAO sobre estas várias frentes, experiências a compartilhar e apoio para quem está se envolvendo. Materiais e informações sobre a atuação de cada frente específica pode ser obtido entrando em contato com os membros do FAO.

 
Quer conhecer mais? Quer participar?

Se você leu este material e se interessou, não importa que você seja apenas um indivíduo ou pertença a algum grupo ou organização; não importa se você já é um anarquista declarado ou alguém que se interessou por anarquismo apenas recentemente; entre em contato conosco.

Você com certeza pode ser importante para luta e tem muito a contribuir!

O projeto anarquista para nós está acima de questões pontuais ou pessoais. O FAO já está caminhando, mas não está pronto e acabado, e jamais fechado a quem possa se interessar. Sabemos e somos os maiores interessados em corrigir erros, aprimorar o projeto e incorporar novas contribuições, mais gente na discussão.

Se você tem dúvidas, discorda em parte do que foi exposto até aqui, te convidamos a dialogar, a nos conhecer melhor. Em síntese, a postura do FAO é construtiva, aberta ao diálogo e contra o sectarismo. Acreditamos que somente nestas bases poderemos criar condições para a construção de uma verdadeira organização anarquista, que não seja uma mera sigla ou um gueto.

Fórum do Anarquismo Organizado, 2010

http://www.vermelhoenegro.org/

Assinam esta declaração os grupos e organizações que hoje compõem o Fórum do Anarquismo Organizado:
Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (AL)
cazp.wordpress.com
Caixa Postal 136
CEP: 57020-970
Maceió-AL

Federação Anarquista do Rio de Janeiro (RJ)
http://www.farj.org/
Caixa Postal 14576
CEP: 22412-970
Rio de Janeiro-RJ

Federação Anarquista Gaúcha (RS)
http://www.vermelhoenegro.org/fag/

Rusga Libertária (MT)
http://rusgalibertaria.blogspot.com/

Vermelho e Negro (BA)
http://vermelhoenegrofao.wordpress.com/
Caixa Postal 280
CEP 44001-970
Feira de Santana-BA

Outras organizações anarquistas do Brasil que nos apóiam e com quem mantemos relações fraternas e solidárias:

Coletivo Para Além do Estado e do Mercado (PAEM) (MS)
http://www.coletivopaem.blogspot.com/
Caixa Postal 17
CEP 79804-970
Dourados-MS

Federação Anarquista de São Paulo (FASP) (SP)
http://www.anarquismosp.org/
Caixa Postal 52552
CEP 08010-971
São Paulo-SP

Organização Resistência Libertária (ORL) (CE)
http://www.resistencialibertaria.org/
Caixa Postal 12155
Fortaleza-CE

Pró Coletivo Anarquista Organizado de Joinville (SC)
http://pro-cao.blogspot.com/

Coletivo Anarquista Luta de Classes (Curitiba)
Caixa Postal 272
CEP 80010-010
Curitiba-PR

Contato da Secretaria Nacional do FAO: secfao@riseup.net




segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Parece que a noiva é a mesma, e o penteado também...

As eleições 2010 vêm se aproximando e os partidos da democracia burguesa já se apresentam aos holofotes, trazendo como estrelas velhos conhecidos: Zeca do PT, latifundiário que governou o MS por 8 anos, e André Puccinelli, latifundiário atual governador. Entregando-se loucamente aos chamegos e conchavos típicos de campanha os dois grupos já estão em pleno vapor na disputa.

O PMDB de Puccinelli costurou uma aliança com toda a nata ruralista do estado, leia PSDB e DEM, mesmo, nacionalmente, sendo os maiores parceiros do governo petista de Lula. Ancorada no poderio financeiro do agronegócio e na implantação de dezenas de usinas de cana-de-açúcar em sua gestão, a coligação Puccinelli têm liderado as pesquisas, utilizando como propaganda principal a inauguração de placas pra qualquer serviço realizado pelos órgãos públicos do MS. Nos últimos anos, em seu governo, os latifundiários têm atravancado processos como a demarcação das terras indígenas com maior facilidade, além de estarem implantando, sem debate com os setores populares, uma infinidade de usinas sucro-alcooleira e estendendo a permissão de práticas como as queimadas de cana.

Já Zeca do PT vêm com seu manjado discurso populista, utilizando-se de resquícios da participação petista em movimentos sociais ao mesmo tempo que filia-se ao “Sindicato Rural” e segue comprando terras. O PT fechou aliança com seus tradicionais apoiadores, como o PSB e os pelegos do PCdoB e, encontrando-se sem grandes referenciais, após o desgaste de seus principais nomes em escândalos como Sanguessugas e Owari, teve que ressuscitar a figura de Zeca como candidato. Na prática defende o processo sucro-alcooleiro e faz coro com o agronegócio, apesar da maquiagem que vêm tentando imprimir ao seu discurso.

O que poderia ser chamado de “último bastião da esquerda reformista eleitoral” aqui no estado, o PSOL, devido à sua diminuta influência não conseguiu nem a adesão de seus sempre aliados do PSTU, demonstrando todo o fracasso de sua proposta de crítica por dentro do sistema.

Esta conjuntura serve apenas para reafirmarmos nossa convicção de que só a luta popular pode gerar reais transformações, no sentido de justiça e igualdade social. Estas maquinações de disputas da direção da máquina estatal, apesar do que prega a mídia burguesa, não é a única via para a participação política das pessoas e, na realidade, acaba sendo um eficaz meio para impedir tal participação. Reduzindo as alternativas unicamente à via institucional a burguesia e seus partidos querem apresentar o Estado como uma instância neutra, onde depende unicamente de quem está no governo para que funcione pelo “bem de todos”, quando na verdade o mesmo Estado é o maior instrumento de manutenção das atuais relações de domínio, sendo a principal ferramenta para burgueses e latifundiários impor seu projeto de sociedade aos trabalhadores e os outros setores afastados do centro de poder.

A melhor resposta, no nosso entendimento, que nosso povo trabalhador no MS pode dar ao agronegócio e seus políticos é o fortalecimento da organização popular. Aprofundar o processo de retomada dos trabalhos de base nos movimentos populares, nos locais de trabalho, moradia e estudo, enfatizando o fato tão latente de que independente de que grupelho ocupar o cargo, é só com muita luta que conseguiremos garantir a implantação dos anseios populares como uma real Reforma Agrária e uma transformação das cidades em benefício da maioria da população - os trabalhadores e moradores de periferia.

Convidamos todos os militantes, ativistas e pessoas interessadas para unirem-se nesta outra campanha, não por votos, mas por fortificação de nossa classe oprimida, onde pretendemos levantar e ampliar o debate sobre uma alternativa de poder popular para se contrapor à política dos ricos e seus partidos.



Nem Zeca! Nem André!

Organização e Luta Popular!

Viva a Anarquia!!

domingo, 1 de agosto de 2010

Declínio da classe operária ou nova metamorfose do proletariado


Escrito por Paul Boino, extraído da obra O Bairro, a comuna, a cidade... Espaços Libertários, lançada por Editora Imaginário,IEL e Nu-Sol em 2003.





Com efeito, essa constatação convida-nos inevitavelmente não a negar as mutações sociais em curso, mas a relativizá-las, ressituando-as numa perspectiva histórica mais ampla. Ela nos leva a recordar que não é a primeira vez que ocorre um importante salto tecnológico; que isso sempre provocou fortes evoluções sociais e que, no entanto, as questões sócio-econômicas não desapareceram; que, todavia, a estruturação em classes da sociedade não foi fundamentalmente afetada, embora o conteúdo e a posição respectiva das diferentes classes tenham mudado no decorrer do tempo.

A primeira revolução industrial não engendrou o declínio dos operários-artersãos e a expansão dos operários de indústria? A segunda revolução industrial não substituiu o antigo operário de ofício pelo operário especializado, cujo O.E. metalúrgico, sindicalizado, empregado vitalício, ou quase, numa grande fábrica fordista constitui o arquétipo que todos conservamos em memória? Apesar de tudo, as mutações em curso não se inscrevem nessa continuidade multissecular? Quando alguns, e Bookchin entre eles, falam de declínio, senão de desaparecimento da classe operária, não é, de fato, uma dessas formulações historicamente datadas e geograficamente localizadas, que tende na realidade a atenuar-se para dar origem a uma nova forma de proletariado do qual ainda se tem alguma dificuldade, é verdade, a apreender a organização, a estruturação e os contornos?

Entre a hipótese de uma fusão social numa imensa e única classe média e aquela de uma reformulação da divisão em classes da sociedade, cada um pode evidentemente escolher como bem lhe aprouver, mas existem, contudo, fatos que tendem a mostrar que a segunda hipótese é sem dúvida amplamente mais bem fundada que a primeira.

Para que a hipótese da homogeneização tivesse fundamento, seria preciso, por um lado, que as desigualdades sociais não estivessem mais ligadas à posição social de origem dos indivíduos ou àquelas de seus pais, mas, ao contrário, que elas dissessem respeito apenas a questões de trajetórias individuais mais ou menos bem sucedidas. Seria preciso, por outro lado, que o que diferenciasse e, inversamente, unisse os indivíduos não tivesse mais nada a ver com questões de posições coletivas na hierarquia social, mas com escolhas individuais e sua capacidade igualmente individual de assumir essas escolhas. Seria necessário, enfim, que as diferenças sócio-econômicas tendessem globalmente senão a desaparecer, ao menos a diminuir.

Em outros termos, três tipos de indicadores podem nos permitir apreender melhor qual dessas hipóteses é válida, qual não o é: a reprodução ou não das classes sociais, a diferenciação entre classes sociais e a homogeneidade no seio das classes sociais, e, enfim, a homogeneização ou a polarização da sociedade.

Quanto à reprodução das desigualdades sociais de uma geração à outra, reprodução que funda em parte a noção de classe social, muitas pesquisas já puderam esclarecer-nos precisamente quanto ao futuro dos filhos de operários. Estes últimos tendem efetivamente a tornar-se, por sua vez, não todos operários mas preferencialmente empregados no setor de serviços ou comércio. Há, pois, modificação sensível das condições de emprego e dos sistemas de emprego que, de fato, revelam-se muito mais precários do que no passado. Mas se observarmos a posição relativa ocupada pelos pais operários e por seus filhos empregados na hierarquia social, perceberemos que ela não é sensivelmente diferente. Tanto uns quanto os outros permanecem em posição de dominados, sem nenhum controle dos meios de produção e de troca (além da greve, seguramente), sem outro recurso para viver senão alugar sua força de trabalho seja ela manual ou intelectual. Desses primeiro elementos, parece-nos então claramente que a classe operária de outrora está, talvez, em nossos países, em declínio numérico, mas que, no entanto, o proletariado está muito longe de desaparecer. Esse proletariado, do qual participam os operários stricto sensu, reproduz-se geração após geração, conquanto as transformações dos processos de produção (a tecnologização) modifiquem sua materialidade, as condições de vida e a organização sócio-espacial.

Quanto à diferenciação entre grupos sociais agora, sem dúvida que já não estamos no tempo do jaleco para os operários e da camisa com folho de renda para os notáveis. Todavia, os processos de distinção entre grupos sociais e de imitação no seio dos grupos sociais continuam a operar-se, de certo, de modo mais sutil, mas tão eficaz quanto antes. Para só tomar um exemplo, as marcas ostensivamente exibidas nas vestes dos jovens suburbanos, e isso qualquer que seja sua origem cultural, não podem e não são, evidentemente, confundidas por ninguém com as roupas dos jovens burgueses cuja qualidade do corte basta por si só para marcar a posição social.

Esses elementos de distinção exprimem-se tanto nas roupas quanto na alimentação, quer se creia ou não, os hábitos culturais (cinema, teatro, livros, música), ou ainda, e de maneira ainda mais sutil, através dos códigos gestuais, da linguagem, da pronúncia, igualmente do humor... Com o salário e o emprego, eles marcam no mais profundo de nossos cotidianos aquilo do que se participa e do que não se participa, o que se é e o que não se é, de onde se vem e a que se aspira.

No que concerne à questão da tendência à homogeneização, mesmo relativa, das condições de vida e dos modos de vida, outras pesquisas puderam mostrar que nem terceirização, nem a urbanização significam que estejamos em tal dinâmica. Bem ao contrário.

O que se denomina crise econômica, desde o início dos anos 1970, e que, de fato, não é uma para todo mundo, dá lugar a um agravamento das desigualdades sociais, tanto entre países ricos e pobres, quanto, no seio dos países ricos e no seio dos países pobres.

Como lembra o refrão das estatísticas sobre os salários e as condições de vida, nesses trinta últimos anos, as classes mais privilegiadas não cessaram de escavar o fosso que os separa das classes mais desfavorecidas.

Em conclusão, a questão social, aquela das relações entre classes sociais, permanece no âmago de nossas sociedades... e determina sempre outros campos (e não todos os campos). Como projetar resolver, por exemplo, os problemas ambientais, sem questionar a corrida ao lucro, que conduz certos petropoluidores a fretar banheiras velhas que vêm regularmente vomitar seu óleo diesel sobre as praias bretãs, e, neste caso, ao menos se fala e se mobiliza.



* publicado na edição Maio/Junho de 2010 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.