escrito por Amig@s do PAEM, de Campo Grande/MS
(Manifestantes Guarani e Kaiowá protestam quando do assassinato dos professores Verá em 2009)
Isto é um absurdo!
A ocupação de Mato Grosso do Sul irresponsavelmente, pela política do estado de concessão de favorecimento a reprodução do capital privado e da exploração do povo, ocorreu sobre os tekoha (unidade territorial, de ocupação e uso, e por onde são transmitidos os conhecimentos tradicionais dos povos falantes da língua Guarani) dos Kaiowá e Guarani de Mato Grosso do Sul gerou, e ainda gera, várias dificuldades a estes povos que vivem confinados dentro de pequenas áreas de terra super populosas, sem ter possibilidades de sustentabilidade, devido a miserável benevolência do estado burguês no momento em que demarcou essas terras pensando na extinção dos povos indígenas, que passariam simplesmente a integrar a sociedade nacional como meros trabalhadores, aquecendo a máquina capitalista de incineração de vidas com seu projeto de desenvolvimento e enriquecimento de poucos.
A idéia era que estes povos simplesmente esqueceriam suas raízes plantadas nessas terras. Há! Isso não aconteceu!.Até hoje esses Índios Kaiowá e Guarani permanecem resistentes em sua luta pela devolução de sua autonomia, e consequentemente das terras que lhes foram retiradas.
Hoje os Kaiowá e Guarani são cerca de 45 mil, constituindo o maior grupo étnico do MS estado da nação brasileira que tem uma das maiores populações indígenas do Brasil. Em contrapartida tem reservada uma das menores áreas de terras para o uso desses povos, que aqui já estavam antes das frentes de expansão econômica recaírem sobre essa região. No geral os homens Kaiowá e Guarani acabam, por falta de condições de manter um sistema de plantio (isto ligado a falta de caráter de nosso estado burguês que só se interessa em defender o direito a propriedade historicamente roubada desses povos), obrigados a vender sua mão de obra para o corte de cana plantada nas terras em que seus avós viveram, ou no trato com o gado nas fazendas da região. E aqui seria bem legal refletir sobre a frase dita por um ñhanderú (Chefe curandeiro) no filme “Terra Vermelha”, onde ele diz: “A onça nos ataca, mas é nossa amiga; a cobra nos morde, mas é nossa amiga; O gado não nos ataca, mas é nosso inimigo, pois esta em nossas terras.”. Já às mulheres Kaiowá e Guarani em geral fica reservado o direito de trabalhar em subempregos como empregadas domésticas nas casas ou fazendas na própria sociedade que as oprime.
Para entendermos melhor é necessário observarmos como historicamente foi retirado o direito de uso da terra das populações Kaiowá e Guarani de MS.
No ano de 1890 é concedido a Cia Matte Larangeiras o direito da exploração da erva mate nativa na região sul do estado de Mato Grosso, tendo sua área de concessão sucessivamente ampliada sempre com o apoio de políticos influentes como os Murtinho e Antônio Maria Coelho.
Até 1895 a Matte Larangeiras já tinha uma área arrendada que ultrapassava os 5.000.000 hectares tornando-se um dos maiores arrendamentos de terras ditas “devolutas” do regime republicano em todo o Brasil para um grupo particular, fato muito impressionante se notarmos que os Kaiowá-Guarani tinham um território de aproximadamente 4.000.000 hectares, sendo então o tamanho de suas terras de ocupação menores que as concedidas a Cia Matte Larangeiras,
Segundo pesquisadores do processo de ocupação do MS, o território Guarani se estendia desde o rio Apa até o rio Miranda, tendo ao leste a serra de Amambai e, a oeste, o rio Paraguai. Portanto é perceptível a diminuição do território e o processo de confinamento ao qual foram expostas tais populações. Forçando a transferência para dentro dos espaços definidos pelo estado burguês longe de suas áreas de habitação tradicional, normalmente próximo as matas e rios que auxiliavam em seu processo de autonomia social, política e econômica. Indicando o processo de progressiva passagem de um território indígena amplo, fundamental para a viabilização de sua organização política e social, para espaços exíguos, demarcados a partir de referenciais externos, prevendo-se sua progressiva transformação em pequenos produtores ou assalariados a serviço dos empreendimentos econômicos regionais.
As concessões feitas, e a atuação da Cia Matte Larangeiras atingiram em cheio o território de uso tradicional dos Kaiowá-Guarani, que acabaram muitas vezes por se engajar na colheita de erva atraídos pelos bens que esta poderia trazer como roupas e ferramentas. Essa prática da Cia Matte Larangeiras de conceder produtos superfaturados com antecedência a seus trabalhadores, era uma forma de iniciar este trabalhador paraguaio e Kaiowá e Guarani, como um endividado e preso a um regime de “barracão”, quase impossível de libertação fundando assim um trabalho baseado na escravidão por endividamento.
(Negociantes de erva da Matte Larangeiras)
A criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) em 1943 foi o empreendimento que causou um impacto bem maior que o da exploração de erva mate nativa pela Cia Matte Larangeiras sobre a população Guarani e Kaiowá de Mato Grosso do Sul, pois esta foi decretada sobre vários tekoha. E com isso mais uma vez observamos os interesses da política nacional patrolando os direitos dos Guarani e Kaiowá.
A criação da CAND, que pode ser considerado como um marco incentivador para a migração pela busca de terras na região sul de Mato Grosso, gerará uma grande perda aos Kaiowá e Guarani. Sendo que a efetivação deste processo de retirada das populações Kaiowá e Guarani das localidades onde estavam assentadas ocorre paralelamente ao avanço das frentes de ocupação agropecuária.
Fato muito curioso é a existência de sistemática documentação produzida pelo SPI que afirmava a presença de várias áreas de ocupação dos Kaiowá e Guarani nessa região do Sul do atual estado de Mato Grosso do Sul, e que mesmo assim não surtiu nenhum efeito sobre as iniciativas do Estado nacional no momento de pensar a sua política de colonização para o centro-oeste.
A prática de aldear os povos indígenas foi promovida pelo Estado desde o período colonial, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, que a partir deste novo texto constitucional do estado que privilegia o direitos dos que tem dinheiro.
Nesta nova Constituição estava prevista a demarcação de terras indígenas respeitando as especificidades dos usos, costumes e tradições de cada povo. O “aldeamento indígena” estava intrinsecamente relacionado às ações e interesses das frentes de expansão agropecuárias, porém, para isso era necessário delimitar o espaço reservado aos indígenas – como o caso da demarcação das oito reservas iniciais – e convencê-los e em alguns casos até mesmo forçá-los a neles se recolherem.
Essa medida era vista como uma ação humanitária (como se fosse muito humanitário retirar o sustento de um povo inteiro) por parte do estado, porque nos aldeamentos os índios teriam suas vidas, mas não seu modo de vida, preservadas e receberiam assistência e orientação para se tornarem cristãos e “civilizados” e trabalhadores explorados.
A terra para um Guarani está relacionada à sobrevivência física, social, política e cultural e a freqüente sistemática de atraso das demarcações desrespeita profundamente os direitos desse povo, configurando assim uma grande violação do direito histórico, e o mais básico de todos, a liberdade e a autonomia de decisões sobre que destino tomar.
Essa Constituição de 1988, ainda em vigor por imposição do estado, previa que a demarcação de todas as terras indígenas aconteceria em 5 anos. O que não aconteceu, e ainda se arrasta como uma grande dívida do estado brasileiro com os povos nativos.
Após o processo de mecanização da agricultura na década de 1970, e o fim dos trabalhos de derrubada das matas e abertura de estradas (onde houve participação efetiva dos Kaiowá e Guarani) torna-se inconveniente para os fazendeiros ter grupos e aldeias indígenas nos chamados “fundos de fazenda”, que mais na verdade eram a própria terra ocupada por esses grupos a centenas de anos. Ocorre então uma mobilização por parte dos proprietários de terras, em alguns casos com apoio do SPI – Serviço de Proteção Indígena (hoje FUNAI), para expulsar de vez esses grupos, pois acreditavam que lugar de índio era dentro das áreas já reservadas pelo estado, que como já sabemos era muito inferior ao território tradicional e as demandas dessas populações.
A imposição de um progressivo assalariamento, primeiro na colheita da erva-mate, depois nas derrubadas e no trabalho de implantação das fazendas de gado, e por último, nas usinas de álcool é um fator que contribui para o agravamento da situação de pobreza que essas populações enfrentam hoje.
(Manifestantes Guarani e Kaiowá protestam quando do assassinato do Cacique Marcos Verón em Juti)