sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Polícia invade sede da Federação Anarquista Gaúcha/FAG


1º Comunicado

Neste exato momento – quinta-feira, 29 de outubro de 2009, a partir das 16 horas - a Polícia Civil do RS sob o comando da governadora Yeda Crusius promove diligência na sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG). O mandado de segurança do governo busca apreender material de propaganda política contra o governo acusado de corrupção. Os cartazes abordam o empréstimo junto ao Banco Mundial e o assassinato do sem-terra Eltom Brum. Este ato é pura provocação do Executivo gaúcho, atravessado por atos de corrupção e situações até hoje sem explicação, como a morte de Marcelo Cavalcante em fevereiro desse ano. Convocamos as forças vivas da esquerda gaúcha para reagirmos de forma unificada contra mais esse desmando.

Solidariamente,
Federação Anarquista Gaúcha (FAG)


2º Comunicado

Material de propaganda e CPU da FAG apreendidos

Nesse momento, quinta-feira, 29 de outubro, 2009, às 17h31, temos compas respondendo na 17ª DP, localizada na rua Voluntários da Pátria, 1500, perto da Rodoviária de Porto Alegre. A Polícia Civil apreendeu material impresso, chapas de cartazes e inclusive a CPU do computador da sede. Isso se trata de uma conspiração oficial para atacar uma das forças da esquerda não parlamentar e com base social real no RS!Era de se esperar uma reação como essa, em função da FAG sempre haver atuado com modéstia mas tenacidade, sendo das mais aguerridas em todas as circunstâncias na defesa dos interesses e objetivos estratégicos do povo gaúcho. Vamos fazer uma denúncia pública e provar para as classes oprimidas do RS a natureza desse ataque vil sob ordem de um governo acusado dos mais graves crimes.

Não tá morto quem peleia!

Federação Anarquista Gaúcha (FAG)


3º Comunicado

Toda a solidariedade para com a FAG! Antes a repressão foi contra o sem terra Eltom, hoje é na sede da FAG, amanhã quem será?A repressão do governo Yeda foi além do esperado. Dois compas foram processados e responderam a processo de parte de um governo acusado de dezenas de crimes, e alvo de investigações federais em seqüência. Até a repressão do Estado liberal-burguês vê a esta gestão como alegando investigar uma propaganda contra a sua gestão, a polícia civil do RS apreendeu documentos internos da Federação Anarquista Gaúcha, intimouaqueles que mesmo prestando apenas a sua solidariedade constavam de registros da página de internet da organização. Não bastasse a apreensão da CPU e do backup do computador, levaram documentos internos (como ata de reuniões), material de propaganda público e até os resíduos que estavam na lixeira da sede.Imediatamente a solidariedade de classe se fez notar, repercutindo no Rio Grande do Sul, por todo o Brasil, na América Latina e, a partir da Espanha, por organizações anarquistas e movimentos populares de todo o mundo.Pedimos a solidariedade de companheiras e companheiros para difundirem etraduzirem esta três notas em seqüência.


Solidariamente,
Federação Anarquista Gaúcha (FAG)


Campanha pró-sede do Movimento Anarco Punk de São Paulo – MAP/SP


O Movimento Anarco Punk de São Paulo está realizando uma campanha para construção de sua sede na capital paulista, com o objetivo de ampliar e fortalecer a luta libertária através do funcionamento deste espaço.


Contribuições:

Caixa Econômica Federal
Conta: 0166517-0
Agência: 0347
Operação: 013
No nome de Maria Helena B. de Almeida


Mais informações escreva para:

Caixa Postal: 1677
Cep: 01032-970
São Paulo/SP
Aos cuidados de Ana Arco

A frente de classes oprimidas como sujeito revolucionário


Escrito no 11º Congresso da Federación Anarquista Uruguaya (F.A.U.) em 1994, como parte do documento Elementos de Estrategia, de onde o extraímos e traduzimos.


Nós temos estabelecido, em primeiro lugar, a necessidade de uma solução popular como conseqüência de um longo processo de lutas de orientação revolucionária, em segundo, o necessário protagonismo das organizações populares de base e, em terceiro lugar uma nova e inédita estrutura político-social que articule adequadamente o protagonismo do povo. Uma nova estrutura anti-autoritária por excelência, que é anunciada desde o surgimento do socialismo pelos libertários, ainda que em traços muito gerais e insuficientes.
Estes elementos são partes fundamentais de nossa estratégia de poder popular, são condições insubstituíveis de um percurso autenticamente socialista e libertário na peripécia revolucionária de nossos povos.
Contudo, precisam de um complemento indispensável ou de uma maior definição do sujeito revolucionário e de suas bases estruturais no que diz respeito a seu conteúdo de classe. Para tanto, definiremos esquematicamente o tema no que é essencial para os resultados deste trabalho. Como temos visto, as relações de dominação próprias de uma determinada sociedade se originam no elemento constitutivo das classes sociais.
Por outra parte, as relações de dominação existentes no interior de uma sociedade concreta, não só recusam qualquer tipo de simplificação que melhor determinam um complexo espectro de classes sociais e das lutas das classes que as acompanham.
O que certamente podemos e devemos determinar, grosso modo, nos marcos de uma complexa e diversa luta de classes, é o conjunto de classes oprimidas que por sua situação social, por sua condição de segmentos dominados da sociedade, estão chamados a constituírem-se no eixo e no motor de mudanças sociais de possibilidades revolucionárias.
Para efeito de firmar critérios é necessário levar em conta, em primeira instância, dois elementos:
* o caráter da revolução e
* o espectro das classes nos países latino-americanos.
A revolução que estabelecemos como objetivo final é uma revolução socialista e libertária que, como tal, delimita desde o inicio amigos e inimigos. Uma revolução anticapitalista e anti-autoritária aponta inconfundivelmente para o desaparecimento das relações de dominação e, portanto, contra a sobrevivência de todas as classes e camadas dominantes. É uma revolução que deseja o desaparecimento da burguesia como classe – sem as clássicas restrições filantrópicas do reformismo entre a grande e a pequena burguesia, nacional ou estrangeira, o desaparecimento de latifundiários e dos que vivem de renda, castas militares e hierarquias estatais.
Entre estes setores sociais só um reformismo continuísta pode encontrar aliados. A revolução socialista e libertária, precisamente por seu conteúdo radicalmente anticapitalista e anti-autoritário, só pode encontrar combatentes nas classes oprimidas. Nesse sentido o papel central num processo revolucionário de orientação socialista e libertário equivale às classes oprimidas e, dentre elas muito particularmente a classe trabalhadora.
De nenhuma forma a algum setor da burguesia. Está claro que nos países capitalistas atrasados e dependentes como os latino-americanos – com a particular estrutura econômica e de classe que isso determina – não se pode pensar nas possibilidades de uma revolução protagonizada exclusivamente pelos núcleos do proletariado fabril e possivelmente nem sequer pelos assalariados em sua totalidade.
Menos ainda neste momento histórico, onde, por exemplo, nosso continente tem enormes contingentes de desempregados e subempregados. Onde as estatísticas nos dizem que mais da metade de seus habitantes estão abaixo da linha da pobreza.
É preciso pensar na construção, como ferramenta estratégica básica para um processo de revolução social, de uma frente de classes oprimidas que busque ter como núcleo central a classe operária, mas que inclua além destes os trabalhadores rurais, a grande diversidade de trabalhadores por conta própria – setor progressivamente engrossado pela crise e pelas respostas do sistema ante as mudanças tecnológicas -, aos excluídos que reivindicam trabalho, aos estudantes – setor potencialmente assalariado no contexto de reorganização produtiva capitalista – chamado a constituir-se em proletariado cientifico e tecnológico.
Em traços gerais, então, a frente de classes oprimidas a que fazemos referencia se constitui como uma rede de relações permanentes, ligada programaticamente, da multiplicidade de organizações de base capazes de expressar na luta os interesses imediatos destes setores sociais e de desenvolvê-los e aprofunda-los no sentido de metas e orientações de tipo transformador e socialista. Frente de classes oprimidas que irá configurando em seu desenvolvimento as formas organizativas eficientes para a luta e o avanço.
O conjunto dos setores oprimidos conta com um poder em estado latente: o poder de decidir o funcionamento ou a paralisação da sociedade e do sistema de dominação. Este poder latente é a raiz do poder popular, para cuja realização se requer uma ampla série de intervenções.
Entre elas, e não precisamente a menos importante, se exige uma plena tomada de consciência socialista e revolucionária.
Mas na dinâmica imperativamente coercitiva do sistema de dominação, não é suficiente apenas um povo favorável e bem disposto à mudança – obviamente, muito menos um com potencialidades que em nada se expressam -: é imprescindível contar com o povo organizado e em luta pelas mudanças.
Este pode ser o combate deste momento na América Latina, em nosso Uruguai. Muito variadas podem ser as formas de mobilização e resistência, de reivindicações, das classes oprimidas.
Este combate exige colocar-se a altura do inimigo em organização, em técnica, em preparação para a luta em suas diferentes formas, mas superando-os em moral, em democracia interna, em firmeza ideológica. Abre-se uma nova etapa, para uma velha esperança de justiça e liberdade, que demandará esforços redobrados.



* publicado na edição de Março/Abril do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Histórias do Anarquismo em Dourados: jornal burguês “Diário MS” noticia atuação de Punks em 2005


Noite de 01 de Março de 2005, estudantes universitários e secundaristas, num intenso processo de mobilizações e protestos, lotam a câmara municipal de Dourados na luta pelo Passe Livre estudantil, que havia sido extinto numa manobra da empresa Medianeira, prefeitura e vereadores no período de férias letivas no fim de 2004. Um debate tenso, onde as centenas de manifestantes pressionaram e encurralaram os vereadores. Dentre os estudantes vários faziam parte do Movimento Anarco Punk, que junto com o Movimento Estudantil Autônomo compunham a ala socialista libertária da juventude douradense.
Durante esta noite a presença dos Punks causa grande espanto nos políticos e um impacto extremamente positivo junto aos estudantes, especialmente aos das escolas secundaristas da periferia da cidade. Durante os debates companheiros libertários tomam a palavra, sendo apoiados de imediato pelos manifestantes. Os vereadores decidem encerrar o debate, pois segundo eles estava impossível “trabalharem”. Os ânimos do protesto exaltam-se. Alguns políticos tentam sair despercebidos pelo fundo, porém sua manobra é notada por companheiros que rapidamente dirigem-se para o portão do estacionamento. Dezenas de estudantes empurram de volta ao estacionamento os carros dos fujões. A polícia intervém e fecha o portão. Chegam reforços policiais. Depois de uma rápida manifestação contra a intervenção policial os manifestantes saem em marcha em direção ao transbordo. 21:00 horas da noite e a multidão corta o centro da cidade em protesto.
A imprensa burguesa, assustada, cala-se sem saber o que dizer por dois dias. No dia 03 de Março o jornal burguês “Diário MS” lança uma pequena nota, com uma caricatura dos Punks, em que dizia:
“O movimento punk agitou o protesto dos estudantes, terça-feira na Câmara de Dourados. Os punks são defensores do anarquismo. Os rapazes de cabelo em pé chamaram a atenção dos demais visitantes do Legislativo.”
A partir daí a imprensa declararia guerra aos Punks e Anarquistas em Dourados. Mas isso é assunto pra outra história.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Distribua o jornal O Libertário


Atenção Companheiros,

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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Entrevista com a Federação Anarquista do Rio de Janeiro/FARJ


1- Como surgiu a FARJ?

A FARJ foi fundada no dia 30 de agosto de 2003, mas originou-se de um processo iniciado 15 anos antes, quando houve uma primeira rearticulação dos anarquistas cariocas a partir do Círculo de Estudos Libertários (CEL). O CEL, idealizado por Ideal Peres e Esther Redes, veio a reunir em suas atividades semanais, militantes libertários que haviam atuado antes e durante a ditadura militar, e jovens recém-chegados ao anarquismo. Desse contato entre gerações, muita coisa começou a surgir, como os primeiros grupos anarquistas pós-ditadura, publicações e eventos libertários, manifestações de 1º de maio, militância estudantil libertária. No CEL, os mais jovens se aprofundavam na história e na teoria anarquista, bem como conheciam a rica trajetória do movimento libertário no Brasil. Ideal Peres, filho de Juan Perez, importante militante anarquista e sindicalista nos anos 20 e 30, havia convivido com José Oiticica, Edgar Leuenroth, Diamantino Augusto, Pedro Catalo, Manuel Perez e muitos outros. Foi Ideal quem conectou essa nova geração de militantes com o passado de lutas do anarquismo brasileiro. Com a morte desse companheiro, em agosto de 1995, o CEL passou a se chamar Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP). Foi mais ou menos nessa época que conhecemos a linha política e as experiências sociais da Federação Anarquista Uruguaia (FAU) e, a partir daí, começou um processo denominado Construção Anarquista Brasileira (CAB) que, com altos e baixos, evoluiu rapidamente a partir da segunda metade da década de 90. Resumidamente, a CAB propunha a formação de organizações específicas que retomassem o vetor social perdido pelo anarquismo brasileiro desde os anos 30. A primeira dessas organizações formada no país foi a Federação Anarquista Gaúcha (FAG). O Libera...Amore Mio, informativo do CELIP, foi um dos principais divulgadores e incentivadores desta retomada de um Anarquismo Social. Desde meados dos anos 90, vínhamos tendo algumas experiências importantes, como a participação na ocupação do edifício-sede da Petrobras, em algumas ocupações de sem-teto e no movimento estudantil. Em 2002, os anarquistas ligados ao CELIP e à Biblioteca Social Fábio Luz, iniciaram um grupo de estudos sobre formas de organização anarquista. Reuníamos-nos mensalmente para discutir textos clássicos e atuais, o que nos serviu para fundamentar a experiência prática até então acumulada, bem como canalizar todo um potencial de atuação social que se abria à nossa frente. No final de agosto de 2003, fundamos a FARJ.


2- Como é a estrutura da organização?

Vocês são organizados por todo o estado ou só na capital? Estamos organizados somente na cidade do Rio de Janeiro. Há militantes de outras cidades da Região Metropolitana, mas todos participam de uma única organização que é dividida em três frentes: movimentos sociais urbanos, comunitária e anarquismo e natureza. Dentro da organização há funções internas (secretariados de formação política, comunicações e relações, organização, finanças e infra-estrutura) e as funções externas que são desenvolvidas no âmbito das frentes. Cada frente é envolvida com uma ou mais tarefas práticas, tendo como ênfase a criação e/ou participação nos movimentos sociais. Portanto, todos os militantes da organização desenvolvem estas tarefas internas e externas. Há ainda uma outra instância, dos militantes de apoio, que são pessoas do RJ e de fora que possuem interesse em ajudar a FARJ em seus trabalhos (internos e externos). A diferença é que os militantes, por terem maior nível de compromisso, têm mais direitos e mais deveres. Os militantes de apoio, com menor nível de compromisso, têm menos direitos e menos deveres. A idéia é que cada um delibere sobre aquilo que poderá realizar. A organização é regida por um programa, que chamamos “Anarquismo Social e Organização”, que aprovamos no Congresso de 2008 e que publicamos há algum tempo em livro.


3- Quais são os principais trabalhos que a FARJ vem executando?
Frente de Movimentos Sociais Urbanos. Vem realizando um trabalho permanente com as ocupações urbanas do Rio de Janeiro desde 2003, e dando continuidade às experiências que tivemos com o movimento sem-teto ainda na década de 1990. Esta frente encampa também, neste momento, a reconstrução do Movimento dos Trabalhadores Desempregados do Rio de Janeiro (MTD), que luta pelo trabalho em todo o país, e existe no Rio de Janeiro desde 2001. O MTD retoma sua força agora, se rearticulando e nucleando pessoas de comunidades e favelas para a luta. Além disso, esta frente possui relações com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para o qual vem oferecendo, em São Paulo e no Rio de Janeiro, cursos de formação política. A frente está próxima e realiza atividades, também, com outras entidades e movimentos sociais como Assembléia Popular (RJ) e a Frente Internacionalista dos Sem-Teto (FIST).

Frente Comunitária. É responsável pelo Centro Cultura Social do Rio de Janeiro (CCS-RJ), um espaço social aberto, que mantemos na zona norte da cidade e que agrega uma série de atividades comunitárias de reciclagem de lixo; reforço escolar e cursinho pré-vestibular para a comunidade do Morro dos Macacos; oficinas de teatro, literatura e cinema; eventos culturais; comemorações e reuniões de diversos tipos. Esta frente também é responsável pela Biblioteca Social Fábio Luz (BSFL), que existe desde 2001 e, no âmbito da qual funciona o Núcleo de Pesquisa Marques da Costa (NPMC) que, fundado em 2004, tem o objetivo de produzir teoria para a organização, além de pesquisar a história do anarquismo no Rio de Janeiro. O NPMC também edita o informativo Emecê, que já está em seu 12º número. Além disso, a frente comunitária é responsável pelo Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres (CELIP), espaço público da FARJ que tem o objetivo de realizar palestras, debates e exibições de vídeos para aproximar novos interessados no anarquismo.

Frente Anarquismo e Natureza. Atua em movimentos sociais rurais e agrupamentos que trabalham com agricultura e ecologia social. Ela possui contatos e trabalho com o MST, a Via Campesina e espaços como a Cooperativa Floreal e o Núcleo de Alimentação e Saúde Germinal. Realiza cursos e oficinas pedagógicas em ocupações, favelas, assentamentos, escolas e comunidades pobres. Tudo isso, com o objetivo de resgatar a agricultura, a agroecologia, a ecologia social, a ecoalfabetização e a economia solidária. Busca envolver em suas atividades trabalhadores, militantes dos movimentos sociais e estudantes, além de ajudar a articular a criação de redes entre trabalhadores do campo e da cidade.

Para atender a uma demanda importante, encabeçamos um projeto “transversal”, no qual se inseriram todas as frentes, que se chama Universidade Popular (RJ). Tal proposta desdobrou-se, de fato, em uma iniciativa de educação popular anticapitalista, voltada para a transformação da sociedade, tendo como tática a formação política no seio dos movimentos sociais.


4- Nacionalmente como se dá a relação de vocês com outros anarquistas, especialmente os grupos que não estão em regiões metropolitanas?

Temos relações orgânicas com a Organização Resistência Libertária, de Fortaleza e também com a Pró-Federação Anarquista de São Paulo. Com estas organizações temos contatos freqüentes seja por e-mail, telefone e com alguma periodicidade pessoalmente. Além disso, iniciamos uma aproximação formal com o Fórum do Anarquismo Organizado – FAO (no qual, aos poucos, estamos nos integrando) e suas quatro organizações: Federação Anarquista Gaúcha (Rio Grande do Sul), Rusga Libertária (Mato Grosso), Coletivo Anarquista Zumbi dos Palmares (Alagoas) e Vermelho e Negro (Bahia). Com o FAO estamos começando a trabalhar juntos no periódico Socialismo Libertário e discutindo outras possíveis aproximações (dos níveis político e social). O cenário brasileiro está muito animador para nossa tendência (especifista); há uma intenção mútua de aproximação e de construção de algo em âmbito nacional.


5- Como vem sendo a receptividade do povo carioca para com as propostas libertárias?

Na realidade as propostas que defende a FARJ são materializadas pelas frentes de atuação da organização junto aos movimentos sociais no Rio de Janeiro. Nesse sentido, o que fazemos nos trabalhos com os Sem-Teto, Sem-Terra, Trabalhadores Desempregados, Movimentos de Agroecologia, Sindicatos, Cooperativas de produção e consumo, além da relação com a comunidade onde se localiza o Centro de Cultura Social, é reforçar as premissas desde sempre defendidas pelos libertários. Onde conseguimos inserção, ou mesmo nos locais que freqüentamos sem maiores interferências, fazemos, através da nossa prática e com material impresso, a propaganda do federalismo, da autogestão e da democracia direta. As experiências têm evidenciado que muitos trabalhadores, mesmo quando sequer tiveram contato com a ideologia, afinam-se com as nossas metodologias. Reconhecem nelas valor superior ao centralismo “democrático” dos partidos de esquerda, de definição marxista-leninista, e percebem que não nos encontramos misturados aos meios políticos tradicionais, portanto, sem as práticas oportunistas características da democracia representativa burguesa. A própria falência do modelo tem auxiliado para que as pessoas prestem mais atenção em novas formas de organização. Assim, dentro das nossas possibilidades, com diligência e fiéis aos fins e princípios que norteiam a nossa organização temos conseguido o respeito de muitos, a admiração de alguns e a adesão direta ou não de outros tantos cariocas.Para nós, ainda mais importante, é que a palavra revolução volte a ter o significado popular sem o qual toda e qualquer tentativa de mudança acabará redundando em alterações superficiais no quadro político, sem jamais alcançar os meios sociais.


6- Agradecemos a entrevista e desejamos toda a força para a continuidade da luta da FARJ. O espaço é de vocês.

Obrigado pelas palavras e pelo espaço. Desejamos a vocês também muito sucesso nessa empreitada que sabemos ser difícil, mas extremamente importante, pois o anarquismo precisa retomar os seus vetores sociais. Podem contar conosco naquilo que estiver ao nosso alcance.Um forte e fraternal abraço.Ética, Compromisso e Liberdade!


* publicada na edição de Julho/Agosto do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

sábado, 24 de outubro de 2009

Infiltrações Burguesas na Doutrina Socialista


Texto escrito por Errico Malatesta, originalmente publicado no jornal Il Pensiero, n º 10 em 16 de maio de 1905; extraído do livro Anarquistas, Socialistas e Comunistas, publicado pela Ed. Cortez, 1989.

Já faz um certo tempo que os socialistas reformistas puseram-se a modificar não somente a tática, mas também as teorias do socialismo, para justificar todas as suas renúncias. Um certo número de idéias e preconceitos de ordem moral, política e econômica, que são em sua essência burgueses, infiltram-se assim, pouco a pouco, na doutrina socialista.
A gravidade deste fenômeno será facilmente compreendida se se considerar que ele toca não somente facções mais moderadas do partido socialista democrata, mas que ele começa a se manifestar igualmente nas outras facções que se proclamam revolucionárias e intransigentes.
Os jornais, por exemplo, nos informam que mesmo o bem conhecido socialista italiano intransigente Arturo Labriola, defendeu em uma de suas últimas conferências que “o problema mais urgente que se deve resolver não é o da distribuição da riqueza, mas o da organização racional da produção”.
É um erro sobre o qual é importante ater-se, porque ele compromete as próprias bases da doutrina socialista, permitindo deduzir logicamente conclusões que nada têm de socialistas.
Os conservadores de todas as escolas sustentam, desde Malthus, que a miséria não é devida à repartição injusta da riqueza ou à insuficiência da indústria humana, mas ao fato de que a produção é limitada.
Em razão de sua origem, historicamente, e em razão de sua própria essência, o socialismo é a negação desta tese. Ele é a afirmação de que o problema social é antes de mais nada uma questão de justiça social, uma questão de distribuição. Mas desde que os socialistas se puseram a pactuar com o poder e com as classes proprietárias, isto é, desde que deixaram de ser socialistas, sustentam também as teses dos conservadores, sob uma forma um pouco renovada.
Se a tese adotada por Labriola fosse verdadeira, o antagonismo entre patrões e operários não seria mais irredutível, pois a solução seria o interesse comum dos assalariados e dos patrões em aumentar a quantidade de produtos. Em outros termos, o socialismo seria falso, pelo menos como meio imediato para resolver a questão social. E, de fato, já vimos Turati, sustentar que os operários devem tomar o cuidado de, durante as greves, não arruinar o patrão nem sua empresa; antes de Turati, Ferri também dizia que os socialistas devem joso para os proletários italianos serem governados por uma burguesia rica, culta, “moderna”.

Fazer com que o proletariado consciente abandone o caminho da luta de classes e lançá-lo no impasse do reformismo burguês é o objetivo da nova propaganda dos socialistas, e esta propaganda é ainda mais perigosa por apoiar-se em um fato real: os produtos não existem atualmente em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mesmo em limites restritos. Após ter impressionado as pessoas demonstrando-lhes este fato, eles fazem do que é o efeito a causa, graças a um artifício enganador, e tiram disso as conclusões errôneas que são úteis ao objetivo que eles se propõem.
É preciso revelar abertamente seus procedimentos.
Não há nenhuma dúvida que a produção em geral, particularmente no que concerne aos artigos de primeira necessidade, é imperfeita, insuficiente, ridiculamente limitada em relação ao que ela poderia e ao que deveria ser.
Aquele que tem fome e que passa diante das lojas repleta de víveres, aquele a quem tudo falta e vê como os comerciantes têm dificuldade em vender as mercadorias,muito abundantes em relação à demanda, podem pensar que há abundância de bens para todo mundo e falta somente dinheiro para comprá-los. Enganados pelos números mais ou menos cabalísticos das estatísticas e talvez por disporem de um argumento surpreendente e penetrante para sua propaganda, certos anarquistas sustentaram que a produção efetiva ultrapassa em muito as necessidades racionais e que bastaria que o povo se tornasse senhor dela para que todo mundo pudesse viver na abundância. As pretensas crises de superprodução (isto é, o trabalho que falta porque os patrões não conseguem vender os produtos acumulados) servem com freqüência para confirmar no espírito da maioria esta impressão superficial.
Mas todos aqueles que sabem raciocinar um pouco friamente não tardam a perceber que esta pretensa riqueza nada mais é senão uma ilusão.
O que a grande massa da população consome não é suficiente para cobrir as necessidades mais elementares. A maioria dos homens é mal nutrida, mal alojada, mal vestida e lhe falta quase tudo; muitos morrem de fome e de frio. Se se produzisse realmente o necessário para satisfazer todo mundo, onde se acumularia o excedente anual da produção, visto que a maioria não consome sequer o mínimo? E os capitalistas, que fazem produzir para vender e para extrair lucro, seriam, portanto, bastante loucos para continuarem a fazer o que eles não poderiam vender?
Pode acontecer que se produza mais do que é necessário em um dado momento, por causa da concorrência que fazem os capitalistas e da ignorância em que cada um deles se encontra quanto à quantidade que os outros podem lançar no mercado em um dado momento; por causa do espírito de especulação, da sede do ganho, do erro nas previsões. E isto particularmente na indústria manufatureira, cujas capacidades de produção são as mais elásticas.
Mas, então, a crise não tarda a se produzir, a suspensão do trabalho vem restabelecer o equilíbrio e, em definitivo, normalmente só o que é consumido é produzido. É o consumo que determina a produção, não o inverso.
Além disso, no que diz respeito aos produtos alimentícios, que têm uma importância vital, basta ver as terríveis conseqüências, nos países agrícolas, de uma colheita insuficiente para viver de um ano para o outro, se bem que a maioria dos homens esteja mal alimentada.
Se o conjunto da riqueza produzida todos os anos — da qual mais da metade é hoje absorvida por um pequeno número de capitalistas — fosse repartida entre todos de modo eqüitativo, as condições dos trabalhadores não seriam notavelmente melhoradas. A parte que lhes caberia não seria aumentada por coisas indispensáveis, mas por uma grande quantidade de coisas sem importância, praticamente inúteis e, às vezes, nocivas. Não haveria mudança sensível no que concerne ao pão, à carne, à moradia, ao vestuário e a outros objetos de primeira necessidade, mesmo que a parte consumida ou desperdiçada pelos ricos fosse repartida entre todos.
Estamos, portanto, de acordo: a produção é insuficiente e é preciso aumentá-la.
Mas por que não se produz mais atualmente? Por que há tantas terras que não são cultivadas ou o são mal?
Por que tantas máquinas e tantos braços não empregados? Por que não se constroem casas para todo mundo,
por que não se fabrica em quantidade suficiente para vestir todos os mal vestidos quando os materiais abundam, assim como os homens capazes e impacientes em utilizá-los?
A razão é bem clara, e nenhum daqueles que se dizem socialistas deveria ignorá-la. É porque os meios de produção, a terra, as matérias-primas, os instrumentos de trabalho não pertencem àqueles que necessitam dos produtos. Eles constituem a propriedade privada de um pequeno número de pessoas que deles se servem para fazer os outros trabalharem em proveito delas mesmas, na medida e na forma que melhor corresponde aos interesses próprios desta minoria.
Não é porque ele é um ser humano que o homem tem, atualmente, o direito a uma parte dos produtos: ele só come e só vive se o capitalista, o proprietário dos instrumentos de produção, obtém seu lucro explorando seu trabalho.
Ora, o capitalista não tem interesse em desenvolver a produção para além de um certo limite: ele tem mesmo interesse em manter constantemente uma certa escassez. Em outras palavras, ele faz produzir enquanto pode revender o produto mais caro do que seu custo de produção; e aumenta sua produção enquanto seus lucros aumentarem paralelamente. Mas tão logo ele perceba que, para vender, é-lhe necessário vender mais barato e que a abundância levaria a uma diminuição absoluta de seu lucro, ele pára a produção e chega até mesmo — assim como há mil exemplos disso — a destruir uma parte dos produtos disponíveis para aumentar o valor dos produtos restantes.
Assim, para aumentar a produção de modo a que ela possa satisfazer as necessidades de todos, é preciso que ela esteja orientada em função destas necessidades e não em função do lucro de um pequeno número somente. Todos devem ter o direito de usufruir destes produtos; todos devem ter o direito de utilizar os meios de produção.
Se todos aqueles que têm fome tivessem o direito de pegar o pão do qual precisam, seria necessário produzi-lo para todo mundo e, a partir daí, as terras seriam cultivadas e a velha rotina substituída por métodos de cultura mais produtivos. Mas se, como é o caso atualmente, as riquezas existentes em meios de produção e em produtos acumulados pertencem a uma classe particular, e se esta classe, à qual nada falta, pode fazer fuzilar aqueles que gritam muito alto porque têm fome, então a produção permanecerá mantida em um limite fixado pelos interesses dos capitalistas.
Conclusão: é na distribuição restrita que é preciso procurar a causa atual da falta de produção, é esta causa que é preciso destruir para eliminar seu efeito.
Para que se produza em quantidade suficiente para todos, é necessário que todos tenham direito a um consumo suficiente.
Assim se acha demonstrada a tese socialista: o problema da miséria é antes de mais nada um problema de distribuição.

* publicado na edição de Agosto de 2008 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


Plantas medicinais na saúde do trabalhador

Plantas medicinais são as que contêm substâncias bio-ativas com propriedades terapêuticas, preventivas ou remediadoras. Partindo do princípio que um problema de saúde é mais bem tratado antes dele começar, as plantas são mais eficientes, pois elas agem na prevenção que é onde a medicina industrial menos atua, afinal o seu lucro se apóia na cura e para isso é necessária a existência da doença. O fato de uma planta ser totalmente natural não exime de riscos o seu uso, que de forma indevida pode causar graves enfermidades, por isso, antes de utilizar uma planta como medicação deve se ter certeza da espécie utilizada e de seu princípio ativo, que é o que causa seus benefícios e/ou malefícios. Um exemplo de uma planta conhecida é o capim cidreira que é utilizada como calmante pela medicina popular, porém ela provoca queda da pressão arterial, e por isso deve ser evitada por pessoas que sofram de pressão baixa. Estas podem utilizar outras ervas como melissa ou camomila.
As plantas medicinais podem ser facilmente cultivadas em casa, em pequenos canteiros ou mesmo em vasos, por isso deve ser estimulado seu uso pela população, já que é diferente dos medicamentos farmacêuticos de altos preços, e pode ser acessível a todas as camadas sociais, especialmente para nós da classe trabalhadora. Assim sendo o conhecimento das ervas possibilita além da prevenção de doenças, uma atitude de crítica prática à monopolização da indústria farmacêutica que, além de ser acessível apenas à camada mais abastada da sociedade, é organizada para gerar lucro aos conglomerados multinacionais que controlam a pesquisa, a produção de remédios e os sistemas de saúde pelo mundo afora.
O conhecimento tradicional de grupos sociais que fazem uso das plantas, como os povos indígenas, é a fonte essencial para a descoberta dos princípios ativos, substâncias capazes de exercer uma ação de cura-responsáveis no combate de doenças. Para utilizar uma planta deve se seguir certos rituais que garantam a ação do princípio-ativo da planta: não usar plantas que contenham agrotóxicos, não coletar plantas em beiras de estradas pois podem estar contaminadas por monóxido de carbono emitido pela fumaça dos carros, coletar as plantas de preferência pela manhã. A secagem, para posterior uso, deve ser feita na sombra, em ambiente arejado e protegido da poeira e de insetos.
Há muita coisa para se dizer sobre nos reconectarmos, e nos reeducarmos sobre as ervas que usamos e colher nossos medicamentos quando pudermos. É assim que conseguiremos construir todo um novo sistema de cura - um que possa nos encorajar e nos ajudar a mantermos distancia da estrutura de poder corporativo que a medicina se tornou.
Segue algumas receitas para serem feitas com plantas medicinais. Os processos são muito fáceis de realizar e podem ser executados por qualquer pessoa em sua própria casa. Além de proporcionar uma vida mais saudável, estas receitas possibilitam a produção auto-gestionária destes produtos visando, também, uma fonte de geração de renda para os indivíduos e famílias que estiverem dispostos a este trabalho. Todos os ingredientes são fáceis de encontrar, em supermercados e locais especializados em produtos de limpeza, e todos possuem uma faixa de preço muito barata e acessível. Em Dourados mudas destas e outras plantas podem ser adquiridas, gratuitamente, em diversos locais como o Horto de Plantas Medicinais, localizado no campus II da UFGD.

Extrato Alcoólico

Material:
- 200g de planta fresca ou 100g seca
- 1l de álcool comum (cereais ou pinga)
- 1 pote de vidro de cor escura
Modo de fazer:
Lave as folhas e corte em pedaços menores, adicione o álcool e agite o pote duas vezes ao dia durante 10 dias, mantendo em lugar escuro ou enrolado em jornal. Após isso a tintura pode ser coada e colocada em vidros menores de cor âmbar ou mantidas em local escuro. A validade é de aproximadamente 1 ano.

Exemplo de plantas para a produção do extrato:

Calêndula: cicatrizante, antiinflamatório, peles sensíveis e delicadas.
Camomila: peles sensíveis, amacia, clareia e limpa a pele;
Confrei: emoliente, antiséptico, antiinflamatório, cicatrizante, hidratante e restaurador de tecidos.
Carajiru: adstringente, antiséptico, fotoprotetor, tonalizante e contra acne.
Pitanga: remineralizante, hidratante, antioxidante e renovador celular.

Sabonete terapêutico artesanal

Material:
- 1 kg de Base glicerinada para sabonetes;
- 10 ml de corante alimentício (colorau, corante para bolos, etc.) (opcional);
- 15 ml de essência para sabonetes;
- 20 ml de extrato alcoólico (receita acima);
- Álcool de cereais;
- Fôrmas; papel filme para embalar.
Modo de fazer
a)Coloque uma panela de ágata ou vidro em banho maria e acrescente a glicerina em pequenos pedaços, a água não deve ferver;
b)Assim que a glicerina dissolver, desligue o fogo e goteje o corante misturando até obter a cor desejada;
c)Adicione o extrato e a essência misturando lentamente até a homogeneização completa;
d)O sabonete pode ser decorado com flores secas, sementes, depende da imaginação de cada pessoa. A decoração deve ser feita na fôrma do sabonete;
e)Coloque a mistura na fôrma que desejar;
f)Se formar espumas sobre o sabonete, borrife o álcool de cereais até as espumas sumirem, espere solidificar e embale com papel filme.

* publicado na edição de Março/Abril de 2009 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

A Liberdade


Escrito pela União Regional Rhône-Alpes da Federação Anarquista Francófona, extraído do livro O Anarquismo Hoje — Um projeto para a Revolução Social, lançado no Brasil numa parceria entre FARJ, Coletivo Terra Livre, Ed. Imaginário e Faísca Publicações em 2005.


O que quer dizer ser livre? Concretamente, a liberdade é um poder: aquele de agir ou não agir. Somos livres quando ninguém nos impede de fazer de nossa vida o que queremos e quando ninguém nos impõem sua vontade (pela força ou pela manipulação). A liberdade é, de saída, uma relação social (ela não existe na natureza, é uma criação humana). Não podemos ser livres lá onde existe uma hierarquia de comando e poderes de coerção: quando um Estado obriga-nos a fazer um serviço nacional (militar ou civil) ou quando estamos à mercê dos patrões que têm todo o poder de empregar-nos ou demitir-nos, somos, evidentemente, sempre “livres” de nos revoltar, mas não somos livres, socialmente falando.
Segundo a famosa fórmula “a liberdade de uns pára lá onde começa a dos outros”, apresentam-nos a liberdade como algo que devemos evitar. Ela seria, inclusive, extremamente perigosa por ser sinônima de “fazer tudo e qualquer coisa”: “Se eles fosse totalmente livres de fazer o que bem lhes aprouvesse, os humanos entredestruiriam em um caos generalizado e a vida em sociedade tornar-se-ia impossível!”... Este discurso não é ingênuo. Ele permite justificar o princípio de Autoridade e transformar a liberdade num “ideal inacessível”. Não é mais que um motivo de encantamento, reservado para efeito de barganhas dos tribunos políticos. Nos atos, só são toleradas liberdades parciais, enquadradas pelo Direito e pela Lei. A Constituição autoriza-nos a greve bem comportada e o direito de associação, mas azar daquele que ousar não se submeter e rebelar-se! Em resumo, estamos todos em liberdade vigiada!
Em oposição a esta visão redutora tanto quanto hipócrita, os anarquistas desenvolveram uma concepção social da liberdade humana. Quando, em suas revoltas e suas lutas, as populações exigiram a liberdade, não se tratava de uma liberdade abstrata e filosófica, mas uma liberdade associada ao princípio igualitário. Para nós, a liberdade não pode existir sem a igualdade econômica e social. Liberdade e Igualdade são indissociáveis. A liberdade é plena e inteira quando o indivíduo, emancipado de todas as tutelas e de toda dominação, tem a possibilidade de construir e manter relações voluntárias com os outros. Se ser todos livres significa ausência de dominação, é preciso, para que eu seja perfeitamente livre, que os outros também o sejam: a liberdade de cada um é a condição da liberdade de todos, e, como dizia Bakunin, “A liberdade dos outros amplia a minha ao infinito”.
Por sinal, visto que os indivíduos são seres sociais, a liberdade não é a recusa de todas as disciplinas. Para organizar-se com os outros, o indivíduo deve assumir engajamentos, estabelecer entendimentos e respeitá-los. Alcança sua completa liberdade quando pode escolher seus contratos e negociar seus termos. Enfim, toda censura é-nos insuportável pois ela supõe um poder, uma Autoridade para exercê-la. Se uma opinião parece-nos perigosa, no que ela representa e deixa supor como atos vindouros, nada resolvemos proibindo-a. Sustentar que não se deve deixar a palavra aos inimigos da liberdade é o melhor meio de ir à ditadura.

* publicado na edição de Maio/Junho de 2009 do jornal O Libertário, informativo do PAEM

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O autoritarismo da subjetividade: entrevistas de emprego, co-gestão e flexibilização trabalhista como formas de domínio patronal


As modernas formas de controle que o patronato vem utilizando contra os trabalhadores ultrapassam, atualmente, o conceito clássico de domínio estrutural e repressivo. Toda uma nova categoria de subjetividades está sendo criada, no intuito de penetrar na intimidade das pessoas e exercer, a partir daí, uma manipulação ideológica mais complexa e total.






Entrevistas de emprego e a nova estratificação
social

Uma das mais subliminares e autoritárias armas que a burguesia e o estado têm empregado neste terreno são as entrevistas de emprego. Escondendo-se sob o manto discursivo de que tais entrevistas seriam formas modernas e democráticas de seleção, que teoricamente buscariam valorizar o “perfil” do trabalhador, o conservadorismo burguês dispõe de todo um leque de ferramentas, estudadas e forjadas em pesquisas de Psicologia e Ciências Sociais, para impor um padrão único de comportamento e engajamento para os trabalhadores. As entrevistas, por se tratarem de processos onde a lógica decisiva não é esclarecida aos participantes, abrem espaço para que posições políticas reacionárias sejam o parâmetro referencial da nova organização do trabalho que a burguesia e os estados têm obrigado os trabalhadores a se enquadrarem. Numa dada situação, por exemplo, em que o patrão (burguês ou estado) alimente idéias e sentimentos racistas, a prática de seleção através de entrevistas possibilita com que um trabalhador negro, indígena ou mestiço seja automaticamente dispensado, em razão da cor de sua pele e não de suas habilidades técnicas. Da mesma forma posições machistas, homofóbicas, e preconceitos religiosos saem fortalecidos neste cenário.
Toda forma de seleção, independente de seu método, traz em si germes, e às vezes muito mais, do autoritarismo, por que vem imbricada à lógica de que alguns são aptos e outros não. Contudo os modelos de seleção chamados de subjetivos e modernos possibilitam enquadramentos antes imagináveis apenas em ficção científica, já que autorizam e forjam mecanismos reais de estratificação social permanente, garantindo às classes dominantes o poder de organizar e modificar, a seu bel-prazer, os postos e categorias dos trabalhadores dentro do processo produtivo. Além de que qualquer candidato a uma vaga de trabalho que tenha posições ideológicas e engajamentos políticos contrários à vontade patronal, seja não apenas dispensado da vaga como também tenha seus dados catalogados e colocados à disposição de organizações patronais, como a ACID (Associação do Comércio e Indústria de Dourados) aqui em nossa cidade, permitindo com que a burguesia saiba de antemão quem são elementos “perigosos e subversivos”, e impeçam com que consigam um emprego.



Co-gestão e as novas formas
de controle nos locais de trabalho

Nos locais de trabalho as pessoas empregadas vêm enfrentando um rearranjo da organização espacial e administrativa mundialmente. O capitalismo neoliberal vêm adotando formas pseudo-democráticas de organização do local de trabalho, a chamada co-gestão ou gestão participativa, gerando a ilusão de uma suposta participação dos trabalhadores nos rumos das empresas, através de fóruns em que o trabalhador teria o “direito” de debater aspectos da rotina do emprego com o patrão ou seus gestores. Mesma lógica que vários órgãos estatais vêm, em menor ou maior grau, adotando.
Esta maior participação funciona da seguinte forma: a burguesia, através de seus gestores, que são uma categoria de exploradores que vêm tomando corpo e se fortalecendo ultimamente, resguarda para si o monopólio de decisão sobre o que produzir e como distribuir esta produção e, “generosamente”, coloca aos cuidados dos empregados a busca das melhores formas para se cumprir as deliberações patronais. Ou seja, a burguesia decide o objeto e a finalidade da produção, deixando aos trabalhadores escolher a melhor forma de organizarem sua própria exploração. Esta prática na verdade nada tem de benevolência por parte dos patrões. Recentes e vastos estudos vêm sendo desenvolvidos há décadas, financiados pela alta burguesia internacional, visando descobrir meios e implantar políticas que potenciem a exploração do trabalhador, utilizando-se de técnicas psicológicas de incentivo, acriticismo e iniciativa competitiva.
Esta situação tem gerado o surgimento de casos e trabalhadores, que por estarem empregados nestas organizações “participativas”, aceitam sua demissão e a dos companheiros de emprego como uma decisão para o bem maior da empresa, esquecendo-se que o lucro da produção, realizada por ele e seus companheiros, fica todo no bolso do patrão.
Flexibilização trabalhista e
peleguismo sindical
Estes mecanismos de dominação patronal comentados encontram seu terreno de atuação dentro das políticas de flexibilização do trabalho, levadas a cabo pela Reforma Trabalhista do governo Lula. O desmantelamento de vários direitos conquistados, através das lutas históricas da classe trabalhadora no Brasil, como 13º salário, férias remuneradas e estabilidade empregatícia, também vêm maquiado por um discurso subjetivo às vezes não muito simples de identificar. Várias políticas vem sendo implementadas buscando transformar os trabalhadores em prestadores de serviços, com registro junto ao fisco (abertura de CNPJ), e colocando-os numa posição de “igualdade” perante os patrões. Ou seja, o trabalhador deixa de ser um assalariado, com direitos como os citados acima, e passa a se relacionar como uma empresa perante o possível empregador. Porém essa relação empresarial inicia-se com a “empresa-trabalhador” não dispondo de nada além do que sua força de trabalho, enquanto a “empresa-patrão” dispõe do dinheiro e da estrutura para que o serviço seja prestado.
Este quadro tem sido agravado pelo cenário de refluxo das lutas populares e sindicais de base, onde as principais centrais sindicais do país estão atreladas a parlamentares e ao governo, e vêm, dia após dia, vinculando os sindicatos ao estado e permitindo a intromissão patronal-burguesa nas organizações de trabalhadores. A lógica pelega da tutela estatal-burguesa tem servido para fortalecer uma burocracia sindical correia de transmissão dos partidos eleitorais, fazendo com que os dirigentes sindicais constituam-se hoje numa categoria fora da rotina de produção, interessada e trabalhando exclusivamente para conchavos politiqueiros e alianças com o setor patronal.



A objetividade nas lutas



Todos estes conceitos subjetivos, criados por especialistas em manipulação psicológica e publicitária a serviço da burguesia e levados a termo por assediadores morais das mais diversas estirpes, só podem ser contrapostos pela objetividade da luta popular pela transformação da sociedade. Colocar em xeque estas novas formas de controle dentro e fora dos locais de trabalho, através de uma crítica popular e radical, é uma tarefa que deve ser executada pelas organizações de luta das classes oprimidas.
Esta conjectura representa um rearranjo da exploração e das funções produtivas e coloca em evidência, como agentes potenciais de transformação social, categorias que não desempenham uma função central dentro da lógica moderna de produção capitalista, como os desempregados e trabalhadores informais/precarizados. Esta situação traz à tona o debate da autonomia dos trabalhadores perante os patrões e estado, e aponta para a necessidade de uma nova articulação de luta sindical e popular, que esteja afastada da tutela estatal-burguesa, e que vislumbre um projeto mais amplo de transformação da realidade, não se contentando com belos discursos e manipulações benevolentes do patronato, mas que busque a superação da lógica autoritária do mercado e do estado. É na organização de base das classes oprimidas que encontra-se o caminho para esta outra realidade possível, uma realidade autogestionária, livre e socialista.


* Publicado na edição de Setembro/Outubro de 2009 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Movimento Poder Popular




O que é o Movimento Poder Popular?
É uma iniciativa que vem sendo construída por pessoas de Dourados/MS, através da união, da ética, da solidariedade e da ação direta de trabalhadores e moradores dos bairros da periferia de nossa cidade.



O que deseja o Movimento Poder Popular?
O Movimento Poder Popular têm como principal objetivo servir de ferramenta para a auto-organização do povo pobre, que hoje vive explorado e oprimido por patrões, governantes e proprietários. Possibilitar a formação política numa ótica libertária, construir laços e relações de camaradagem entre vizinhos e companheiros de trabalho e juntar nosso povo para construirmos um novo mundo.



O Movimento Poder Popular apóia políticos e candidatos?
Não! Nosso movimento acredita, e a História comprova, que toda e qualquer transformação da sociedade, que tenha como objetivo dar maior liberdade e satisfação ao povo trabalhador, só pode ser feita pelas mãos dos próprios trabalhadores. Nosso Movimento atua na perspectiva de construção de uma sociedade autogestionária, onde as decisões serão tomadas e executadas pelos trabalhadores, sem gerar lucro para os patrões e governantes. Sendo assim nos posicionamos independentes de quaisquer partidos eleitorais, nos recusando abertamente a fazer qualquer espécie de parceria com políticos e governantes.



Quais os principais trabalhos que o Movimento Poder Popular têm executado?
Estamos realizando trabalhos de formação política, trabalhos de criação artística nas comunidades, organizando plantio de ervas medicinais e produção de artigos fitoterápicos, fazendo estudos e em breve várias outras frentes serão abertas.



Como faço para participar do Movimento Poder Popular?
Nosso movimento está em processo de construção e aberto à quem quiser participar. Núcleos vêm sendo formados nos bairros, grupos de trabalho e estudo também. Entre em contato conosco: em nossas atividades ou através de seus conhecidos que já participam. Você pode fazer parte de um dos núcleos já existentes ou começar outro em seu bairro, escola, local de trabalho. Para maiores informações, esclarecimento de dúvidas e outras questões enviem e-mail para: poderpopular@bol.com.br

Política da Internacional (parte IV)


Escrito por Mikhail Bakunin, originalmente publicado em L´Egalité, nº 32 em 28 de Agosto de 1869, extraído do livro O Socialismo Libertário, lançado pela Global Editora, 1979.

A Associação Internacional dos Trabalhadores, para permanecer fiel ao seu princípio e para não se desviar da única via que pode conduzi-la ao seu objetivo, deve sobretudo precaver-se contra as influências de dois tipos de socialismo burguês: os partidários da política burguesa, incluindo mesmo os revolucionários burgueses, e os da cooperação burguesa, denominados homens práticos.
Comecemos pelos primeiros.
A emancipação econômica, como já dissemos no nosso número precedente, é a base de todas as outras emancipações. Resumimos nestas palavras toda a política da Internacional.
Com efeito lê-se a seguinte declaração nos considerandos dos nossos estatutos gerais:
“Que a sujeição do trabalho ao capital é a fonte de toda a servidão política, moral e material, e que, por esse motivo, a emancipação econômica dos trabalhadores é o grande objetivo ao qual deve estar subordinada toda a movimentação política.”
É evidente que todo o movimento político que não tenha por objetivo imediato e direto a emancipação econômica, definitiva e completa dos trabalhadores, e que não inscreva na sua bandeira, com clareza e determinação, o princípio da igualdade econômica, isto é, a restituição integral do capital ao trabalho, ou seja, a liquidação social – é um movimento burguês e, como tal, deve ser excluído da Internacional.
A política dos burgueses democratas, ou socialistas burgueses – que, declarando “que a liberdade política é a condição prévia da emancipação econômica”, e que entendem por estas palavras que as reformas ou as revoluções políticas devem preceder as reformas ou as revoluções econômicas e que os operários se devem aliar aos burgueses mais ou menos radicais para com estes fazerem as primeiras, e não as últimas, por serem contra eles, - deve por conseguinte, ser excluída, sem piedade.
Protestamos veementemente contra esta funesta teoria, que só poderia conduzir os trabalhadores a uma situação em que seria uma vez mais instrumentos contra si próprios e a entregarem-se de novo à exploração dos burgueses.
Conquistar a liberdade política primeiro, não pode significar mais do que conquistar apenas ela, deixando, pelo menos nos primeiros dias, as relações econômicas e sociais no estado em que se encontram, isto é, os proprietários e os capitalistas com a sua insolente riqueza, e os trabalhadores com a sua miséria. Mas uma vez conquistada esta liberdade, diz-se, ela servirá para os trabalhadores como instrumento para conquistar mais tarde a igualdade ou a justiça econômica.
A liberdade é, com efeito, um magnífico e poderoso instrumento. O problema é saber se os trabalhadores poderiam de fato, dela se servirem, se eles a possuiriam realmente, ou se, como sempre aconteceu até agora, a sua liberdade política não seria mais do que uma aparência enganadora, uma ficção?
Se na atual situação econômica se falasse a um operário de liberdade política, este responderia pelo refrão de uma canção bem conhecida:
“Não falem de liberdade: A pobreza é a escravidão!”
E, com efeito, é preciso estar cheio de ilusões para imaginar que um operário, nas condições econômicas e sociais em que se encontra atualmente, pode aproveitar plenamente a sua liberdade política e dela fazer um uso sério e real. Para isso faltam duas pequenas coisas: tempo livre e meios materiais.
Aliás, não terá sido isso que vimos em França, durante a revolução de 1848, a revolução mais radical que se podia desejar sob o ponto de vista político?
Os operários franceses não eram certamente nem indiferentes nem estúpidos, e, apesar do maior sufrágio universal, tiveram que deixar os burgueses manejarem. Por quê? Porque lhes faltavam os meios materiais que são necessários para que a liberdade política se torne uma realidade, porque continuaram escravos forçados pela fome, enquanto os burgueses radicais, liberais e conservadores, uns republicanos de véspera, outros convertidos no dia seguinte, iam e vinham, agitavam, falavam, agiam e conspiravam livremente, uns graças às suas rendas ou à sua lucrativa posição burguesa, outros graças ao orçamento do Estado, que naturalmente foi conservado e que se tornou mesmo mais forte do que nunca.
Sabe-se o que daqui resultou: primeiro, as jornadas de Junho; mais tarde, como conseqüência necessária, as jornadas de Dezembro.
(...)
A Associação Internacional dos Trabalhadores, fiel ao seu princípio, não dará nunca apoio a uma agitação política que não tenha por objetivo imediato e direto a completa emancipação econômica do trabalhador, isto é, a abolição da burguesia como classe economicamente separada da massa da população, nem a nenhuma revolução que, desde o primeiro dia, desde a primeira hora, não inscreva na sua bandeira a liquidação social.
* publicado na edição de setembro de 2008 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Aborto em debate: questão social de saúde e política



Muito tem se discutido atualmente sobre a criminalidade a que é revestida a prática do aborto no mundo, mais especialmente no Brasil, onde vivemos, e amplos setores da sociedade têm se posicionado neste debate. Opiniões confundem-se e deixam a população sem esclarecimentos precisos sobre o tema. Preconceitos religiosos e sociais mesclam-se com a falta de informação geral transformando receios em pavor e semeando posições conservadoras.
O primeiro ponto a que nós, anarquistas, nos debruçamos quando refletimos nossa posição favorável à descriminalização do aborto, é o fato de que o mesmo já é feito em todo o planeta mesmo sendo considerado crime. No Brasil milhares de mulheres morrem ou ficam mutiladas diariamente graças a complicações de processos abortivos em clinicas clandestinas, ou com métodos famigerados como o uso de Citotec, agulhas, ervas, etc... Só em 2008 o poder judiciário do Mato Grosso do Sul tentou processar em torno de 10.000 mulheres por realizarem o aborto. A imposição de criminalidade além de não parar a prática de abortos favorece o surgimento de quadrilhas “especializadas” em realizar tal procedimento, fomenta o obscurantismo na formação sexual das pessoas e condena mulheres a buscar refúgio no submundo de guetos cirúrgicos. Portanto a descriminalização do aborto proporcionará com que estas mulheres sejam acolhidas em hospitais por médicos, enfermeiros, psicólogos e toda uma equipe preparada e estruturada para proceder a uma intervenção operatória dentro dos marcos necessários em higiene e salubridade poupando as pacientes de conseqüências mais drásticas que o fato em si. Além de que desta forma abre-se a possibilidade da gestante debater com seus entes queridos, profissionais de saúde e assistentes sociais, sem pré-conceitos, sobre se o aborto é mesmo a melhor resolução em seu caso específico.
Um outro ponto desta discussão a que temos dedicado atenção é a questão do direito à vida. Apesar dos esbirros do conservantismo religioso dizer o contrário a descriminalização do aborto não visa instituir o fetocídio na sociedade, mas sim superar esta cultura autoritária e de morte que faz com que aspectos da saúde das pessoas sejam tratados como bandidagem. Ninguém defende o aborto como método contraceptivo que possa substituir pílulas, injeções hormonais, preservativos e todos os métodos disponíveis para que as mulheres não engravidem. O que nós mulheres e homens militantes sociais temos defendido é que a criminalização gera um impedimento em se aprofundar este debate, obstruindo na prática a possibilidade de se pensar e construir uma nova abordagem nos serviços de saúde e educacionais que leve em consideração todo o leque de aspectos que formam a vida sexual e as funções biológico-reprodutivas das pessoas. Afinal por maiores que sejam as opções em métodos anticoncepcionais eles ainda não são difundidos de forma universal em nossa sociedade, atrapalhados, principalmente, por esta mesma moral maniqueísta do pecado e por esta organização da saúde e educação que vê situações decorrentes da atividade sexual como crime, o que logicamente faz com que o sexo e a reprodução como um todo seja mitificado. Além de que nenhum método anticoncepcional tem total eficácia, sendo todos sujeitos à possibilidades de falha, o que gera mais um aspecto favorável à descriminalização.
Outro ângulo crucial sobre o tema, que é propositalmente esquecido pelos conservadores em geral, é que vivemos numa sociedade dividida em classes, e que as classes que dominam a economia atual tem pleno acesso a serviços privados de saúde, medicamentos, acompanhamentos psicológicos e terapêuticos caríssimos, possibilidades que as classes trabalhadoras não usufruem, sem contar que o impacto econômico de uma gravidez não planejada numa família trabalhadora é bombástico já que não possuem o conforto e estrutura material das castas abastadas. Em uma sociedade em que as mulheres trabalhadoras não têm recursos nem tempo para grandes instruções, em que vivem desestruturadas financeiramente do nascimento ao óbito, em que adultos trabalhadores são soterrados pelas crendices e superstições do fatalismo religioso enquanto suas crianças são hipnotizadas pelo sexismo televisivo, a criminalização do aborto traz uma clara conotação de domínio de classe, obrigando as mulheres trabalhadoras a terem filhos para servir ao mercado de mão-de-obra.
Um dos mais nefastos argumentos que o conservadorismo vem usando quer apelar para supostos “sentimentos de mãe”, trazendo nas entrelinhas o milenar machismo patriarcal ao tentar incumbir às mulheres papéis pré-condicionados por algum deus, quando na verdade é o capitalismo machista que debate-se para manter as mulheres como trabalhadoras da reprodução da vida para o mercado de mão-de-obra e, tenta se esconder sob ufanismos e pseudo-sentimentalismos para manter esta função desprovida de valor econômico.
Resumindo, somos favoráveis à descriminalização do aborto, pois ele já é realizado em guetos e queremos segurança e salubridade para nossas vidas. Somos favoráveis à descriminalização do aborto, pois temos o direito ao nosso corpo, nossa vida e temos o dever de buscar o melhor contexto para dar luz aos nossos filhos.
* Publicado na edição de Março/Abril de 2009 do jornal O Libertário, informativo do PAEM.

domingo, 11 de outubro de 2009

Entrevista do PAEM para Agência de Notícias Anarquistas/ANA

Agência de Notícias Anarquistas/ANA - Poderiam falar um pouco da situação política, social e econômica da cidade de Dourados?

Coletivo Para Além do Estado e do Mercado/PAEM -Dourados, segunda maior cidade do Mato Grosso do Sul, localizada na região sul do estado, próximo 100 km da fronteira com o Paraguai, é uma cidade que tem crescido ultimamente. Desde sempre controlada política e economicamente pelo latifúndio a região de Dourados é conhecida Brasil afora pela alcunha de “Portal do Inferno”, devido à violência gerada pela pistolagem latifundiária, tráfico internacional de drogas e grupos de extermínio.
Terra originalmente ocupada pela nação Guarani, assiste hoje a continuidade do etnocídio deste grande povo, esmagado em conjunto com camponeses sem-terra e remanescentes de quilombos. Com a chegada de inúmeras usinas de beneficiamento de cana nos últimos anos Dourados e região têm recebido um grande contingente de trabalhadores que vêm tentar a sorte nos feudos da indústria sucro-alcooleira, o que têm aumentado o número de moradores e feito surgir uma série de áreas de favela pela periferia da cidade. Devido às várias universidades muitos estudantes, professores e pesquisadores de todos os cantos do país têm vindo residir por aqui. Atualmente a cidade é governada por um grupo de extrema direita, ligado ao fatalismo religioso e a alguns dos mais obscuros nomes do coronelismo latifundiário. Recentes escândalos de esquemas de corrupção, alojados há décadas na prefeitura, têm causado rebuliço pela redondeza. O poder de fato é exercido, não só na cidade como em todo o estado, pelo “Sindicato Rural”, organização patronal que reúne em seu seio os maiores latifundiários e empresários do MS. Organizados em todos os partidos eleitorais os ruralistas aplicam sua política linha dura de monocultura, conservadorismo e repressão contra o povo trabalhador douradense.
Historicamente nossa cidade, assim como o estado todo, não conta com tradição de movimentos socialistas, sendo que os movimentos sociais foram sempre hegemonizados pelo PT. A partir de fins da década de 90, quando o PT começou a ganhar eleições por aqui, os movimentos passaram a ser esvaziados e levados a reboque das administrações petistas, fato que hoje coloca nossa classe numa situação de rearticulação e reinício de suas lutas, visando superar o atual cenário de refluxo organizativo em que se encontra.

ANA - E quando e como surge o grupo de vocês?

PAEM - No fim de 2003 companheiros ligados ao Movimento Estudantil e ao Fórum da Juventude Rural iniciam um processo de autocrítica e ruptura com os caminhos que vinham sendo trilhados aqui na cidade. Decidem por aprofundar o conhecimento sobre o Anarquismo, o que culmina, em 2004, no surgimento do Movimento Estudantil Autônomo e do Movimento Anarco Punk. Os grupos se fortalecem nas lutas por Passe Livre, na ocupação e acampamento na reitoria da UFGD em luta pela Moradia Estudantil e em ações culturais levadas a cabo por bandas e indivíduos punks, tudo entre 2004 e 2005.
Em 2005 a repressão abate-se sobre o movimento estudantil universitário e secundarista, depois de amplas mobilizações por Passe Livre, com ocupações da prefeitura e câmara municipal, a polícia começa a intervir pesadamente, vindo a invadir a cidade universitária (campus da UFGD e UEMS) e a enfrentar violentamente os estudantes. É iniciada uma temporada de “caça aos punks e anarquistas” na cidade, com prisões, espancamentos, perseguições, difamação de companheiros através de jornais, rádio e televisão, o que gerou uma debandada e desarticulação do Movimento.
No início de 2006 um companheiro da cidade desloca-se à Goiânia onde conhece o trabalho do coletivo Pró-Organização Anarquista em Goiás, o que lhe deixou muito impressionado e animado para a retomada do Movimento em Dourados. Nesta ocasião pode conhecer também experiências de grupos do Mato Grosso e Distrito Federal, além de tomar contato com os debates sobre a organização do Anarquismo pelo país. Em julho de 2006 é fundado o coletivo Para Além do Estado e do Mercado (PAEM) por companheiros ligados ao Movimento Estudantil Autônomo e ao Movimento Anarco Punk.

ANA - E qual a dinâmica interna de vocês?

PAEM -Por sermos um grupo de poucas pessoas e a cidade ser relativamente pequena, algo em torno de 200 mil habitantes, temos um relacionamento quase cotidiano. Todos que participam do grupo mantêm uma disciplina de estudos, contudo temos realizado esforços no sentido de pormos pra funcionar um grupo de estudos, aberto a quem queira participar, sobre a história, teoria e perspectivas do Anarquismo no mundo. A questão de recursos, muito provavelmente, é um dos grandes obstáculos que todos os grupos enfrentam. Além de cotizações, que nem sempre suprem a demanda, temos buscado outras formas de levantar recursos, através da promoção de rifas, de contribuições de leitores de nosso jornal e alguns companheiros têm entrado em contato com editoras libertárias para que possamos distribuir livros aqui pela região. Temos dedicado atenção a tudo que envolva as formas de estruturação de uma organização, buscando humildemente aprender e, aos poucos, amadurecer nossas posições e conceitos. Acreditamos no potencial de nosso projeto e vemos boas possibilidades se abrirem nos últimos tempos, inclusive o cenário libertário que vem crescendo em todo o Brasil.

ANA - E quais as principais atividades, lutas...

PAEM - Tendo fundado o coletivo, entregamo-nos à campanha contra a democracia burguesa e sua festa eleitoral, sofrendo de imediato a retaliação por parte do Estado, com a prisão de um companheiro. Em Outubro de 2006 o PAEM lança seu informativo “O Libertário”, que tem crescido de lá pra cá, onde contamos nossa história, publicamos teoria e buscamos fortalecer toda movimentação em que estivermos engajados e toda luta de nosso povo.
Desde sua fundação o PAEM atua como organismo especificamente anarquista, ou seja, no nosso grupo reúnem-se anarquistas para o debate e coordenação de suas ações junto aos movimentos e espaços onde estão inseridos e vivem suas vidas. Nossa principal atuação tem sido junto ao Movimento Estudantil, Contracultura e, agora, temos depositado grande parte de nossos esforços para a construção do Movimento Poder Popular, iniciativa de movimentação comunitária, que vem organizando-se nos bairros da periferia da cidade, criando e desenvolvendo mecanismos de resistência e empoderamento das comunidades. Além disso, temos trabalhos realizados junto à diversos outros setores e segmentos de nosso povo, e novas possibilidades têm surgido.
Estamos trabalhando na perspectiva de conseguir um espaço para o funcionamento de um Centro de Cultura Social, estamos juntando livros, revistas e jornais para estruturação de uma biblioteca libertária e estudando a melhor maneira de efetivarmos este projeto. Pretendemos com isso ampliar a abrangência da formação política libertária aqui na cidade, além de possibilitar um espaço permanente para o debate e articulação popular anticapitalista.

ANA - E como vocês se situam à luta ecológica? É uma prioridade?

PAEM - Pelo fato do Mato Grosso do Sul ser o estado onde está localizado grande parte do Pantanal tudo gira em torno da questão ecológica. Toda grande empresa ou latifúndio do MS conta com um grande aparato publicitário para promoverem –se como ecologicamente corretas, quando na verdade estão colocando preço em cada polegada deste chão e ganhando muito dinheiro com isso. Para se ter uma idéia do desmatamento, por exemplo, existem legislações que delimitam que o cone sul do MS, região de Dourados, deve ter 20% de seu território ocupado por áreas de mata, porém menos de 7% do território tem servido a esta finalidade.
No nosso entendimento a luta ecológica deve partir de uma leitura popular da situação, levando em consideração a tomada dos espaços geográficos pelo capitalismo, caso contrário corre o risco de adentrar em caminhos que a própria burguesia e o governo apontam. Vemos surgir diariamente uma infinidade de ONGs, controladas e financiadas por grandes empresas, latifundiários e políticos, dizendo estar na luta ecológica e ambiental, mas o que percebemos é que estas organizações funcionam mais como instâncias públicas dos conglomerados de empresas e especuladores que vêm comercializando e destruindo os recursos naturais de nosso planeta, ao desenvolverem pesquisas, cursos de “formação ambiental” dentro das comunidades tradicionais e venderem a imagem de filantropismo boa-praça, estas ONGs abrem caminho para a implantação do controle total dos recursos ambientais do MS pela burguesia e iniciam um novo ciclo de exploração do povo trabalhador de nossa região.
Para piorar a situação o MS vem sendo tomado pelas usinas de cana-de-açúcar, que vem levando a monocultura a um novo patamar e, através de suas queimadas, contribuindo com a poluição do ar, empobrecimento do solo e danos à saúde das pessoas.

ANA - Vocês participaram do último Grito dos Excluídos, não?

PAEM -Sim, sempre participamos deste ato, que aqui em nossa cidade é a mais tradicional manifestação de rua do povo trabalhador. Em Dourados, assim como em grande parte das cidades de interior no Brasil, são poucas as oportunidades que aparecem para uma manifestação de rua, que possibilite um espaço para apresentação de amplos leques de intervenções e debates. Com o agravamento da luta fundiária no estado nos últimos anos, em que os latifundiários têm engrossado sua política de terror contra os povos originais, remanescentes de quilombos e camponeses pobres, vários setores têm ficado assustados e têm evitado sair às ruas, por isso achamos importante comparecer e manter a resistência popular.
Pelo fato deste ato acontecer no mesmo local do desfile “comemorativo” a “independência” podemos fazer um diálogo com milhares de pessoas, além de fazer um enfrentamento à militares, políticos e ricos que sempre estão presentes no palanque de autoridades. O impacto é sempre positivo para a luta popular.

ANA - Trabalham com outros grupos?

PAEM - O isolamento tem sido um dos maiores problemas com que nos deparamos cotidianamente. Frente a isto temos entrado em contato com grupos e indivíduos de várias regiões do MS, visando à estruturação da Federação Anarquista do Mato Grosso do Sul, processo que pretendemos realize-se num médio prazo. Este diálogo deve culminar, dentro de alguns meses, no I Encontro do Anarquismo Social no MS, evento que o PAEM organizará aqui na cidade para esta tão urgente articulação dos libertários sulmatogrossenses.
Também temos buscado o contato de coletivos e indivíduos que residam em cidades do interior do Brasil, especialmente em regiões de predomínio rural, no intuito de se criar um espaço de troca de experiências e coordenação entre nós. O interior do Brasil tem várias particularidades que nem sempre encontram-se nas regiões metropolitanas, onde o Anarquismo têm maior presença, o que gera essa enorme necessidade de um entendimento entre os grupos que estão fora dos grandes centros urbanos. As áreas periféricas, especialmente as regiões de forte produção rural, têm muito a contribuir para a compreensão de nossa realidade e um importante papel a desempenhar na construção de nossa Revolução.
Temos estudado muito a experiência da Federação Anarquista do Rio de Janeiro/FARJ, que têm sido grande fonte de inspiração para os rumos que temos tomado. Somos favoráveis a uma efetiva organização nacional, que possa articular, unificar e fortalecer os vários grupos e experiências que existem e vêm se formando sob a bandeira do Anarquismo pelo Brasil afora.

ANA - Como adquirir a publicação de vocês?

PAEM - O “O Libertário” é distribuído aqui na cidade e na região pelo pessoal do PAEM e por amigos do coletivo. Quem tiver interesse em distribuir, ou simplesmente adquirir um exemplar de nosso jornal pode entrar em contato pelo e-mail ou por nossa caixa postal. Queremos, aos poucos, enviar para bibliotecas e arquivos de coletividades anarquistas do Brasil, portanto os grupos que mantêm estes espaços entrem em contato conosco.

ANA - Mais alguma coisa? Valeu!
PAEM - Agradecemos o espaço e a oportunidade de falarmos um pouco sobre nossa humilde, mas sincera história. Saudamos todos o/as compas e estamos de braços abertos aos camaradas de luta. VIVA A ANARQUIA!

PAEM - Caixa Postal 17- Dourados/MS - 79804-970
E-mail:
paraalem@portugalmail.pt

Saudações Camaradas

Nosso coletivo, que está completando 3 anos de existência, manterá este blog como um espaço para divulgação do projeto do Anarquismo Organizado no Mato Grosso do Sul e para o fortalecimento das lutas de nosso povo.
VIVA A ANARQUIA!!!!