domingo, 7 de novembro de 2010

Fóruns conciliadores e institucionalização dos Movimentos Sociais

  Historicamente as classes dominantes sempre utilizaram de diversas formas, e não apenas da violência, para desarticular e pôr fim às movimentações populares que surjam de forma autônoma e autêntica no seio das classes oprimidas. Uma das formas que tem se mostrado mais eficazes é a institucionalização dos movimentos sociais, prática que vêm sendo agravada nos últimos anos, mas, contudo, já é um fenômeno bem mais antigo.
  Esta institucionalização é levada a cabo quando um movimento, formado por determinado setor social que disputa a satisfação de uma demanda específica, porém abrangente, é arrastado à participação dentro de algum fórum conciliador estatal, onde, teoricamente, o movimento teria condições de debater com governantes e ricos como e onde seriam investidos recursos e aplicadas as políticas públicas que são de seu interesse. Porém, na prática, o que acontece é o enquadramento do setor popular na agenda política burguesa, prendendo-o nas entrelinhas da legalidade estatal e, a partir daí, impedindo e criminalizando toda e qualquer luta autônoma das classes oprimidas, cujos métodos e anseios não estejam previstos no âmbito destes fóruns conciliadores.
  No início do século XX, quando da ascensão dos primeiros movimentos de trabalhadores no Brasil, impulsionados, sobretudo pelo Sindicalismo Revolucionário e por grupos Anarquistas, o Estado e as classes dominantes levaram ao termo a matança dos militantes operários mais influentes e combativos ao mesmo tempo em que preparava o terreno da institucionalização do movimento sindical, que tomou corpo, durante o Estado Novo, nas leis trabalhistas e na criação do Ministério do Trabalho. Ainda que as ditas leis trabalhistas reconhecessem a vitória da luta dos trabalhadores quanto à jornada máxima de 8 horas diárias, do estabelecimento do salário mínimo, de férias remuneradas, etc., as classes dominantes estabeleceram, através do Ministério do Trabalho, as regras que queriam para a forma com que os trabalhadores poderiam organizar seus sindicatos o que, obviamente, era na verdade a total criminalização dos métodos de ação direta e autonomia do Sindicalismo Revolucionário e a aclamação do sindicalismo atrelado ao Estado e com o rabo preso com a patronal, o que ficou historicamente conhecido como “sindicalismo pelego”. Na época as classes dominantes acabaram contando com a ajuda do PCB, o “partidão”, que vinha ganhando influência com o extermínio de anarquistas efetuado pelo governo, e sonhava com a direção da máquina estatal apoiando, portanto, coerentemente com seu projeto, a institucionalização do movimento sindical. Esta conjuntura perdurou por décadas, agravada durante a Ditadura Militar, e vendo-se desnudada e, momentaneamente, rompida pelo “novo sindicalismo” em fins da década de 1970.
  O chamado “novo sindicalismo” representou num primeiro período o resgate da autonomia popular e de seus movimentos perante as classes dominantes, surgindo na época a Central Única dos Trabalhadores/CUT que se propunha a romper com o peleguismo e se pautar na luta direta dos trabalhadores para alcançar seus anseios. Só que ao mesmo tempo as principais lideranças cutistas fundavam o PT e, quanto mais o partido crescia, abocanhando cargos no Estado e fazendo, necessariamente, alianças e coligações com setores patronais, mais o “novo sindicalismo” definhava, transformando-se, atualmente, em uma potente correia de transmissão das políticas governamentais. Através da Reforma Trabalhista e da conseqüente Reforma Sindical, concretizada de forma eficaz em etapas, volta a emergir a institucionalização do movimento sindical, agora do chamado “novo sindicalismo” em estruturas não muito diferentes das criadas na Era Vargas, contudo com nuances de participatividade.
  Outro forte meio de institucionalização dos movimentos sociais é o chamado “orçamento participativo” e seus “conselhos municipais”. O orçamento participativo tomou corpo em Porto Alegre, quando da chegada do PT à administração da cidade, apontado inicialmente como um grande exemplo de política pública de esquerda, vindo a chamar a atenção de diversos setores no mundo todo e a ser implantado em diversas cidades do Brasil onde o partido chegava ao poder, o orçamento participativo logo demonstrou sua dubiedade. Ao mesmo tempo em que atendia parcialmente a reivindicação popular de opinar em como deveria ser gastos os recursos públicos, também criava uma série de parâmetros reguladores para como poderia ser realizada a organização e a movimentação popular de quem quisesse ter representatividade nos conselhos de decisão do orçamento participativo. E estes parâmetros reguladores eram, logicamente, a legalidade burguesa e a participação indireta, através de representantes ou conselheiros, da comunidade.
  Ora, sendo assim, em um curtíssimo período de tempo, este modelo descambou a ser uma “pré-escola” para políticos, criando uma gama de especialistas na “arte de ser representantes”, e espezinhando qualquer iniciativa de protagonismo da comunidade que pudessem vir a prescindir da autoridade dos conselheiros, além de não atender a nenhuma reivindicação popular concretamente, vindo sim a impor aos participantes a adesão cega às políticas governamentais, já que aparentemente teriam participado da elaboração das mesmas. E, como não poderia deixar de ser, rapidamente as administrações de todas as colorações partidárias perceberam as beneficies que o orçamento participativo poderia proporcionar-lhes, sendo que hoje todas seguem adotando-o, vide o caso aqui em Dourados.
  Para nós é um crime contra nosso povo silenciar sobre o perigo que espreita por trás dos belos discursos de democracia e tolerância presentes nas políticas de institucionalização dos movimentos populares. É corrente vermos um grande número de pessoas sinceras, que querem fazer algo por e junto com suas comunidades, serem arrastadas e tragadas pela participação em tais fóruns. Sendo apresentado, tanto pelas classes dominantes quanto por pelegos que se dizem militantes sociais, como a mais justa, ou ainda como a única via para a luta popular, estes modelos de enquadramento vêm minando a organização e a resistência popular. Afinal, se a participação através de representantes, nos fóruns de conciliação com a burguesia/governo é a única forma de participação política popular vislumbrada, o trabalho de base, a militância e a luta direta protagonizada pelo povo é totalmente abandonada e, mais que isso, criminalizada como provocação, irresponsabilidade e como prejuízo à própria comunidade.
  No nosso entendimento é urgente rompermos esta situação. É preciso que todos os militantes e pessoas que realmente querem trabalhar por mudanças sociais profundas intervenham energicamente em todos os espaços de organização de sua comunidade. Seja nos sindicatos, grêmios escolares ou associações de moradores é preciso contrapor, com organização, resistência e luta, a institucionalização dos movimentos sociais e a conseqüente criminalização das lutas diretas, protagonizadas pelas classes oprimidas. Defendemos, ainda a construção de um fórum destinado a consolidar-se como um contraponto ou contra-poder perante as instâncias conciliadoras, apoiado em um profundo trabalho de formação de base e protagonismo comunitário, onde a mobilização e a combatividade sejam apontadas como as principais características a serem buscadas, já que assim, mesmo que um movimento ou organização defina taticamente a participação momentânea em alguns destes fóruns conciliadores, a mobilização nas ruas possa garantir um efetivo poderio de barganha para as disputas das demandas que realmente nosso povo trabalhador urge em satisfazer.